Antes de dar lições de democracia, a Folha tem de abrir mão do golpismo. Por Luis Felipe Miguel

Atualizado em 28 de junho de 2020 às 11:19
Carro da Folha incendiado na ditadura em retaliação a apoio do jornal à Oban

Publicado originalmente no perfil de Facebook do autor

POR LUIS FELIPE MIGUEL, cientista político

“Um jornal a serviço da democracia”, diz o novo slogan da Folha.

É o jornal que apoiou o golpe de 1964 e não fez nem a autocrítica hipócrita que a Rede Globo fez.

É o jornal que cedia seus furgões para que a Operação Bandeirantes levasse prisioneiros para os porões da ditadura, mas que até hoje finge que isso não ocorreu.

É o jornal cujo pranteado “publisher” dizia que no Brasil não teve ditadura: foi uma “ditabranda”, que prendeu, exilou, torturou e matou tão pouquinha gente.

É o jornal que apoiou o golpe de 2016 e não permite que, nas suas páginas, se diga que o golpe foi golpe.

O jornal que fez coro a todos os outros na defesa da Lava Jato e de suas arbitrariedades, do lawfare contra o ex-presidente Lula, da criminalização da esquerda.

O jornal que bateu na tecla de que PT e Bolsonaro eram radicalismos simétricos, como forma de favorecer o apoio envergonhado da direita que se deseja civilizada a um projeto com nítidos tons neofascistas.

O jornal que é defensor infatigável da retirada de direitos da classe trabalhadora, da redução do Estado e da desnacionalização da economia. E que age, de forma deliberada e cuidadosa, com o objetivo de estreitar o debate público sobre todas essas questões.

Fiel a seu espírito megalômano, a Folha se coloca agora no papel de timoneira da luta pela democracia.

Decidiu até fazer uma exortação para que todos usem amarelo. É, obviamente, mais uma tentativa de reforçar o paralelo mentiroso com a campanha das diretas.

A Folha quer derrubar Bolsonaro – acho ótimo. Fico feliz, de verdade. Quanto mais gente, melhor.

Mas, aliada na luta contra Bolsonaro, a Folha não o é na luta pela democracia. O que ela quer nos vender como democracia está longe até da encarnação mais pálida do ideal democrático.

Não merece seu nome uma “democracia” em que o campo popular tem papel fixo – o papel de derrotado, já que, quando há o risco dele obter alguma vitória, os poderosos têm a alternativa de virar a mesa.

Não merece seu nome uma “democracia” que quer tirar Bolsonaro, mas blindar Guedes (ou, pelo menos, suas políticas).

Antes de dar lições de democracia, a Folha tem que estar disposta a abrir mão do seu golpismo.