Mauro da Costa Val, engenheiro civil, sanitarista e ambiental, deu uma entrevista exclusiva ao DCM sobre os atuais desastres ambientais no estado de Minas Gerais.
Nesta quinta-feira (13), um deslizamento de terra destruiu um casarão do século XIX da Prefeitura de Ouro Preto, na Região Central de Minas, e um imóvel onde funcionava um depósito. Além disso, na semana, por conta das fortes chuvas, uma barragem da mina do Pau Branco em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte (MG), transbordou.
Mauro comenta os recentes ocorridos, além de fazer comparações com Brumadinho e alertar para outros possíveis desastres como, a barragem Área IX, da Mina da Fábrica, da Vale, em Ouro Preto que subiu de nível 1 de emergência para o nível 2, também nesta quinta. Confira a entrevista completa abaixo.
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Qual o tamanho do desastre ambiental deste ano em comparação a 2019, quando caiu Brumadinho?
É maior. Não pelo número de mortes que, obviamente, esperamos que não seja ultrapassado aos quase 300 do desastre de Brumadinho. Mas pelo grande AVISO dado pela equação:
(despreparo, desleixo da estrutura pública relativa à gestão de riscos e desastres + eventos climáticos extremos = ….).
Como presenciamos em Minas Gerais, os dois últimos governos estaduais são muito parecidos em sua postura na área de meio ambiente e, principalmente, da gestão do patrimônio público água. Privilegiaram os setores econômicos mais fortes e colocaram em plano secundário os efeitos nocivos de suas decisões na área da precaução.
O princípio da precaução foi e está sendo ignorado.
Não por todos, pois há empresas do bem e que cumprem seus papéis na cidadania; mas por parte dos empreendedores, os mais gananciosos, que contam com apoio do governo. Há empresas que não produzem mais rejeitos úmidos (lama de minério e outras substâncias).
Em que o governo Zema contribuiu para a evidente deterioração do quadro ambiental de MG?
Seguiu o mesmo diapasão do governo Pimentel, porém fortalecendo ainda mais as mesmas diretrizes. Se no anterior a visão desta diretriz era meio difusa e com sombras, no governo atual é clara, direta, objetiva e autodeclarada. No Programa de Governo havia clara demonstração de que seriam prioridades, por exemplo, a liberação de maior número de agrotóxicos e, também, expedição de maior número de outorgas – o que se mostra evidente na prática.
Além do aspecto citado, há outro fato histórico e “inovador”: a sociedade civil foi retirada, abruptamente, e em alguns casos brutalmente (assédio etc.), das instâncias deliberativas existentes neste setor.
Tanto no Conselho estadual de Política Ambiental – COPAM, quanto no Conselho Estadual de Recursos Hídricos – CERH MG, o governo conta agora com amplo domínio das ações, claro, com algo em torno de 80-90% da representação e dos votos.
Tais instâncias foram transformadas em meras expedidoras de autorizações de funcionamento. A diretriz foi, inicial e verbalmente, reduzir o prazo de análise, mas o resultado foi muito além.
Não há qualquer chance de um ou outra licença não ser concedida. O autoritarismo e práticas inusitadas se tornaram comuns.
Por exemplo, membros da sociedade civil informaram, dias atrás, que a licença para as estruturas que não suportaram o volume das águas e romperam, na Mina de Pau Branco, teve procedimento sui generis: convocação dia 30 de dezembro e decisão tomada dia 31 de dezembro próximo passado.
O governo estadual se apoderou, impositivamente, dos comitês de bacias. Destaque pode ser dado ao CBH-Paraopeba. Ou seja, ações de Governo desprenderam-se das ações de Estado. Por vezes, afrontando a própria constituição do Estado, como no caso do Artigo 250 da Constituição Estadual, ao menos em dois de seus incisos, conforme texto em inteiro teor abaixo.
Art. 250 –
Para assegurar a efetividade do objetivo do artigo anterior, o Poder Público, por meio de sistema estadual de gerenciamento de recursos hídricos e sistema estadual de gerenciamento de recursos minerários, observará, entre outros, os seguintes preceitos:
I – adoção da bacia hidrográfica como base de gerenciamento e de classificação dos recursos hídricos;
IX – democratização das informações cartográficas, de geociências e de recursos naturais;
O maior temor que se apresenta neste momento é a já constatada ineficácia e inoperância de órgãos públicos criados para gerenciar a implantação de atividades potencialmente poluidoras.
Mais que isto, e neste governo, trata-se de uma diretriz política. Com a complexidade advinda da alteração dos padrões usuais de chuvas e de secas, é evidente que governos com tais diretrizes não terão condições mínimas de atender as demandas de gestão de riscos. Desta forma, não é improvável que fatos similares aos desastres recém ocorridos voltem às manchetes.
Outorgas para exploração da água não passam mais por decisão do colegiado envolvendo Estado e Sociedade Civil? Como era, como ficou e quais as consequências dessa medida?
Como citado anteriormente, a representação da sociedade civil foi reduzida substancialmente. Ao invés da paridade anterior, original e de acordo com a base legal que regula a matéria, o governo estadual impôs de forma autoritária, uma base representativa onde garante ampla maioria a seu favor. Além disso, descumpre lei e decretos que as regulamentam, por meio de normas inferiores, como portarias, deliberações normativas etc.
A partir deste tipo e natureza de diretriz política de ação, várias desconformidades passaram a se tornar prática, rotina de ação. Das maiores às menores.
Um exemplo é o repasse de recursos vultosos, praticamente em ano eleitoral, para os principais atores políticos do Estado, com maior percentual ao mandatário máximo do Estado, bem como a todos prefeitos municipais. Ao mesmo tempo, em contrapartida, foi garantido à empresa Vale o reconhecimento de uma lista impactos irreversíveis frente aos quais nada precisará ser feito (ou algo similar). Esta listagem está definida como anexo ao acordo entre o governo e a empresa proprietária e responsável pelas atividades nas barragens onde ocorreu rompimento, causa principal do maior desastre socioambiental conhecido na história do Brasil. Importante que a imprensa apresente este anexo em detalhes à sociedade mineira em geral.
Qual o papel das mineradoras na economia do Estado?
Ampla maioria das organizações não governamentais da sociedade civil sem fins econômicos, incluindo diversos setores das universidades e outros segmentos, têm apresentado a mesma consideração acerca das relações entre o governo estadual atual, e o seu antecessor, com boa parte do setor minerário. “Quem manda no governo estadual é o setor minerário”, é o que ecoa nos quatro cantos de Minas Gerais.
Segundo dados oriundos do IBRAM-Instituto Brasileiro de Mineração, Minas tem 40,5% dos tributos arrecadados em virtude dos royalties ( disponível em Mineração faturou R$ 50,7 bi no 3° trimestre; MG deve receber US$ 12 bi em investimentos até 2024 – Economia – Estado de Minas).
Segundo LONGUINHO (2019), urge uma reflexão frente ao papel dos três entes federativos na aplicação de políticas públicas efetivas de diversificação e de desenvolvimento e a implementação de ações previstas na Constituição Estadual de 1989; e desta maneira fazer frente à minero-dependência.
No entanto, é a primeira vez nos últimos 30-40 anos que o governo estadual empreende facilidades desta monta nos procedimentos de análise de avaliação dos impactos socioambientais e gestão de riscos relacionados diretamente aos empreendimentos de grande potencial destruidor em caso de falhas operacionais ou de negligências técnico-institucionais.
Qual o papel da Vale no processo de determinar a política ambiental de MG?
A Vale não tem papel específico, e tem obrigações como qualquer outro empreendedor, reduzindo sua participação às solicitações usuais de autorizações e outorgas de bem público. No entanto, não foi nem é assim que vem sendo escrita a história nas hostes públicas estaduais, notadamente de meio ambiente e dos “recursos hídricos” (águas naturais).
Em entrevista na TV UOL no dia de hoje, 13.jan.2022, o prefeito de Belo Horizonte e pré-candidato ao governo estadual, Alexandre Kalil posicionou-se clara e objetivamente em relação ao tema ao afirmar que o governo estadual é comandado por algumas mineradoras que contam com a complacência e submissão de seu mandatário maior.
Tal influência na administração da coisa pública, sobretudo nas águas, pode ser exemplificada com a captura, pela Vale, na gestão das águas da Bacia do Rio Paraopeba nos primeiros anos da década dos anos 2010. A Vale assumiu o Comitê da Bacia do Rio Paraopeba, CBH-Paraopeba, onde permaneceu por duas gestões. Os resultados foram desastrosos. A depender das respostas a questionamentos ignorados até o momento, mesmo com documentos comprobatórios protocolados nas instâncias apropriadas, o caso pode passar a outras esferas administrativas da justiça comum. O CIBAPAR, Consórcio Intermunicipal da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba, secretaria executiva e instituição mantenedora do CBH-Paraopeba, foi levado à falência quando de administração ligada umbilicalmente ao mesmo segmento produtivo.
Como a cidade de Ouro Preto conseguiu se antecipar ao processo que acarretou na queda do morro e destruição dos casarões?
Pela observação de deslizamentos de pequena monta na encosta principal do Morro da Forca. As edificações em risco e os logradouros públicos dos arredores foram esvaziados e monitorados por órgãos públicos municipais, até o momento da ruptura. Talvez tenha sido o desastre mais filmado nestes últimos tempos.
Há lugares sensíveis de uma nova tragédia nas próximas horas ou dias?
Diversos, em diversos municípios. valeb intensas e que o governo estadual continue a negligenciar o óbvio.
A estrutura pública criada para gerenciar o meio ambiente e as águas deve cessar atuação no campo político – no momento atende interesses de apenas alguns segmentos sociais – e voltar a atuar conforme prescreve a base legal: com transparência, seriedade e, claro, atendendo ao que está indicado no Artigo 37 da Constituição Nacional: princípios da Legalidade, Moralidade, Impessoalidade, Publicidade e da Eficiência.
Além disso, tanto o poder legislativo quanto o judiciário devem cumprir seu papel como esperado, com isenção e sem preferência política. Incluindo aí parte do Ministério Público.
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