Ao falar do que não sabe e agradar Bolsonaro, Felipão do Palmeiras se tornou menor. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 26 de novembro de 2018 às 13:46
Felipão

O técnico do Palmeiras, Luiz Felipe Scolari, o Felipão, perdeu ontem uma boa oportunidade de ficar calado. No encerramento da coletiva sobre a conquista do título do Campeonato Brasileiro, deu uma canelada ao tentar comparar o futebol com a política.

Respondendo a uma pergunta sobre o que levou o time à conquista, disse que um dos fatores foi o cumprimento de ordens — pelos atletas, claro.

“Eu acho que cumprir ordens a gente trilha caminhos muito bons”, afirmou. Até aí, tudo bem. Mas Felipão achou por bem estender esse conceito à nação, à política.

“E espero que o nosso Brasil agora também cumpra ordens sob a nossa nova presidência. E aí a gente vai trilhar um caminho melhor”, destacou.

Felipão desconhece que a divergência é própria de uma nação civilizada, que trilha os caminhos da democracia, “o pior de todos os regimes, excetuados todos os outros”, como dizia Churchil, o primeiro-ministro que liderou a Inglaterra na ofensiva que derrotou Hitler.

Felipão, assim como o pit bull Felipe Melo, não esconde sua preferência política: Jair Bolsonaro. Ambos acreditam que se possa fazer com um país o que se faz com um clube.

Errado.

É preciso, sim, saber cumprir ordens.

Mas, em uma democracia que dê frutos, a ordem vem da Constituição, o grande conjunto de regras que a sociedade aceitou como mandamento maior.

Bolsonaro vai passar — assim esperamos —, mas a Constituição ficará.

E o que Felipão não disse — porque talvez não saiba, já que, muito provavelmente, se informa pelo Jornal Nacional da Globo — é que a Constituição está sendo descumprida. Dois exemplos:

— O Brasil não cumpriu a ordem emanada do Comitê de Direitos Humanos da ONU, que decidiu que o país deveria respeitar os direitos políticos de Lula, que não está condenado em caráter definitivo. Ordens emanadas desse comitê têm força de lei, pelo simples fato de que o Brasil assim o quis, ao referendar, pelo Congresso Nacional, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

— O Brasil descumpre a Constituição no ponto que assegura a todo brasileiro o direito de só ser preso depois da sentença transitada em julgado, isto é, quando forem esgotados todos os recursos. O Supremo Tribunal Federal — cuja maioria já se manifestou a favor desse princípio — não vota a questão, com o objetivo declarado da ex-presidente da corte, Cármen Lúcia, de que beneficiaria Lula e, com isso, apequenaria a corte.

Felipão não está errado ao dizer que cumprir ordens é um uma estratégia para trilhar caminhos melhores, mas faz um gol contra ao passar a mensagem de que a ordem emanaria do nova presidência.

Não, o poder emana do povo, e a ordem já está dada pela Constituição. O problema é que, para alguns, a ordem da Carta que vale é aquela que não beneficiaria Lula.

Se Felipão quisesse aprofundar um pouco mais, ele veria que o que se faz hoje com o ex-presidente da república seria o mesmo que retirar o Palmeiras da disputa no ano que bem, pelo simples motivo de que o clube já termina o campeonato como favorito para a próxima disputa, e os demais times não teriam chance.

Como disse Fernando Haddad na entrevista à Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo,  se Lula tivesse disputado a eleição, Bolsonaro não se elegeria.

E nós não precisaríamos ouvir bobagens de que será preciso cumprir ordens sob a nova presidência da república.

Ordens, todos cumprimos, inclusive o presidente. Mas ordem que vem da Constituição.