O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é o titular de uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Advocacia-Geral da União no STF (Supremo Tribunal Federal) para que contas de jornalistas e influenciadores que foram suspensas pela Justiça do Twitter e do Facebook voltem ao ar.
A AGU justifica sua ação com princípios basilares da Constituição Federal, garantidores da ampla liberdade de expressão. Justifica também expressando o desejo de resguardar as normas do Código de Processo Penal, que não prevê medidas como suspensão de contas em redes sociais de investigados da Justiça, como se vê logo no início da ação judicial.
Ao longo da peça jurídica, estabelece-se uma defesa competente do que se demanda, são 25 páginas de sólida jurisprudência, doutrina e embasamento normativo para escudar que a determinação do ministro Alexandre de Moraes que suspendeu contas de Twitter é inconstitucional, e também para defender que toda e qualquer ação judicial daqui para a frente que venha a bloquear contas de Twitter seja automaticamente caracterizada como inconstitucional. A petição da AGU, em nome de Jair Bolsonaro, não merece reparos técnicos.
A questão não é tão simples quando se enxerga quais foram as pessoas que tiveram as contas suspensas e motivaram a ação do órgão público.
São figuras como o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), a ativista Sara Giromini (conhecida como Sara Winter), o blogueiro Allan dos Santos e o empresário Luciano Hang, todos investigados em processo sobre propagação em redes sociais de notícias falsas, mensagens de ódio e incitação a crimes.
Todos têm em comum ainda outra característica: são ferrenhos apoiadores de Jair Bolsonaro e duros críticos de todos que o presidente venha a enxergar como seus adversários. São todos autênticos bolsonaristas raiz.
É difícil, ainda que possível, entender como legítima e admissível a ação direta de inconstitucionalidade movida pelo presidente via AGU. Ações de inconstitucionalidade devem zelar pela Constituição, para evitar que normas ou decisões judiciais firam o texto constitucional, são peticionamentos de interesse geral, jamais podem defender interesses particulares, muito menos quando partem do presidente da República por meio da Advocacia-Geral da União.
As atribuições legais da AGU não ultrapassam a defesa dos interesses da União e seus representantes. Então, para crer que a referida ação presidencial é legítima e admissível legalmente, é preciso crer também que Jair Bolsonaro acionou o Supremo não por que foram seus apoiadores os atingidos pela decisão alegadamente inconstitucional.
É preciso, para entender como lícita a atitude do presidente de lutar pelas contas de seus apoiadores fazendo uso da AGU, acreditar que Bolsonaro teria feito exatamente a mesma coisa se os atingidos pela decisão de Moraes fossem seus adversários, é preciso acreditar que Bolsonaro foi à Justiça por amor à Constituição, e não em defesa de seus aliados. Você acredita?
Caso não se acredite na hipótese acima, necessariamente resta-se diante de uma ação ilegal do presidente, que fere uma série de princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais, como os princípios da pessoalidade e da moralidade, prestigiados na Constituição no que se refere aos atos da Administração Pública.
Tais como as regras de atribuições exclusivas da AGU, que só pode agir em interesse da União e de seus representantes, nunca de particulares, nunca de apoiadores de quem quer que seja, ou como os requisitos de admissibilidade de uma ação direta de inconstitucionalidade, que só pode ser ajuizada para sanar afrontas gerais à Constituição, ou ainda como a Lei de Probidade Administrativa, que não permite que órgãos e servidores públicos litiguem em interesse de particulares.
Em qual hipótese você acredita?