Publicado originalmente no Portal Vermelho
Uma pesquisa feita pela BBC revelou que 51% dos russos admiram o revolucionário comunista Josef Stalin (1878-1953), o mais longevo líder da União Soviética (URSS). O percentual aumenta quando questionados sobre o papel de Stalin na história russa – 70% afirmam que sua atuação foi “positiva”.
A tendência é respaldada por um estudo do VtsIOM (Centro Russo de Pesquisas de Opinião Pública), que também aponta uma fatia crescente de russos que consideram o legado stalinista como positivo. Essa popularidade é particularmente marcante na Geórgia, onde Stalin nasceu, e na Rússia, a capital do império, podendo ser vista nas ruas de Moscou e encontrando eco em intelectuais e historiadores.
Desde outubro de 2012, uma organização civil chamada Sindicato dos Cidadãos Russos recolhe assinaturas para devolver a Volgogrado o nome pelo qual a cidade se tornou célebre em todo o mundo: Stalingrado. Ali, durante a Guerra Civil que se seguiu à Revolução Bolchevique de 1917, Stalin conduziu o Exército Vermelho e conquistou uma grande vitória.
Em 1925, já à frente da URSS – após a morte precoce de Lênin –, o Comitê Central do Partido Comunista propôs que a cidade fosse rebatizada em homenagem ao líder soviético. E foi com o nome de Stalingrado que esse território foi palco de uma das maiores, mais sangrentas e heroicas batalhas da Segunda Guerra. O nome perdurou até 1961.
No site da organização, explica-se que “a posição do Sindicato dos Cidadãos da Rússia é simples e compreensível a cada patriota”. O abaixo-assinado recolheu na internet 9.780 assinaturas a favor da mudança – e apenas 687 contra. Na véspera das últimas eleições presidenciais, especulou-se que o presidente russo, Vladimir Putin, renomearia a cidade para atrair eleitores.
Membros do Clube de Especialistas de Volgogrado conseguiram mudar o nome da cidade por um dia em comemoração aos 70 anos da vitória das tropas soviéticas, em 2 de fevereiro de 2013. “A ideia é fazer disso uma tradição, enquanto não se resolve a questão da renomeação da cidade”, diz o cientista político Vitáli Arkov.
Stalin, batizado Iosif Vissarionovich Djugashvili, morreu em março de 1953. Desde então, a Rússia está na terceira onda de “desestalinização”. A primeira foi conduzida pelo revisionista Nikita Kruschev em seu discurso secreto no 20º Congresso do Partido Comunista da URSS. Em 1961, quando Stalingrado foi rebatizada de Volgogrado, o corpo de Stalin foi retirado do gélido mausoléu da Praça Vermelha e enterrado próximo de um dos muros do Kremlin. Ainda hoje, é um dos túmulos mais visitados no local.
A segunda onda veio nos anos 80, com a perestroika de Mikhail Gorbachev, que implodiu a URSS. Por fim, a terceira onda é recente. Iniciou-se em 2010 com a nomeação de Mikhail Fedotov ao cargo de chefe do Comitê Presidencial para os Direitos Humanos. Uma das primeiras ações de Fedotov foi declarar guerra ao que chamou de “culto a Stalin”, com o apoio do então presidente Dmitri Medvedev.
Nenhuma dessas ondas, porém, foi suficiente para fazer o povo russo apagar os feitos e o simbolismo de Stalin. Em 1965, nas comemorações dos 20 anos do fim da Grande Guerra Patriótica – nome como os russos chamam a Segunda Guerra –, o líder Leonid Brejnev citou Stalin. “Não devemos encobrir os erros, mas também não podemos encobrir os méritos. Portanto, respeitemos Stalin”, disse Brejnev, sob aplausos.
Que méritos são esses? Livros de História da Federação Russa redigidos por Aleksandr Filippov se referem a Stalin como “um administrador eficiente” e à repressão civil como “custos” do progresso. Essa visão é compartilhada por Issaak Kalina, que foi vice-presidente da Comissão Presidencial Contra a Falsificação da História em Favor dos Interesses da Rússia.
A habilidade como “administrador” é o principal argumento dos que advogam a favor de Stalin hoje. Mesmo durante sua vida, teve seus méritos reconhecidos, até pela insuspeita revista conservadora norte-americana Time, que o escolheu “homem do ano” duas vezes, em 1939 e 1942.
Basta uma análise de alguns números dos dois primeiros Planos Quinquenais soviéticos, tocados a mando de Stalin. Embora o Planeta enfrentasse a Grande Depressão que sobreveio ao Crash de 1929, a URSS, um país isolado, obteve avanços impressionantes. “A economia soviética, conforme as mais recentes e confiáveis estimativas, cresceu no mínimo 70% entre 1933 e 1938”, registra Richard Overy, professor do King’s College de Londres.
Ainda que os esforços soviéticos não tenham valorizado o consumo de massa, o planejamento econômico dos comunistas foi capaz de, entre 1928 e 1937, fazer a produção de máquinas crescer incríveis 2.425%. O número da produção de automóveis foi catapultado de 800 unidades anuais para 200 mil no mesmo período. Muitos fundamentos do estudo da macroeconomia, hoje matéria obrigatória em cursos de economia, são resultado do trabalho dos burocratas soviéticos.
“Vinte milhões de pessoas morreram em três ou quatro anos com a Guerra Civil, e a Primeira Guerra ainda resultou em mais 1,5 milhão de mortos. O país sumiu do mapa da política mundial – era apenas sangue, chamas, violência”, diz o historiador Aléksandr Vershínin, do Centro de Análises da Governança. “Stalin surgiu do sangue da guerra civil. E, no lugar do caos, instalou a calmaria”, resume.
Com informações da Aventura na História