“Apontavam a arma para irmos trabalhar”, diz vítima de trabalho escravo em Bento Gonçalves (RS)

Atualizado em 25 de fevereiro de 2023 às 16:07
Espaço onde ficavam trabalhadores em Bento Gonçalves. Foto: Reprodução

Vítimas de trabalho análogo à escravidão em vinícolas de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, dois baianos relataram como foram contratados para o “emprego”. Ambos fugiram após sofrerem agressões físicas, verbais e ameaças.

O caso foi descoberto na última quarta-feira (22), após uma ação conjunta do Ministério Público do Trabalho (MPT-RS), da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Na operação, foram resgatados mais de 200 trabalhadores em condições degradantes que atuavam na colheita da uva e no abate de frangos na Serra Gaúcha.

A ação foi deflagrada após três trabalhadores procurarem policiais rodoviários e afirmarem que haviam fugido do local. Dos 207 resgatados, 198 são baianos e nove gaúchos.

“O alojamento tinha câmeras, era tudo monitorado. Se reclamasse de alguma coisa, espancavam a pessoa”, contou uma das vítimas, que não quis ser identificada.

Em entrevista ao g1, os dois baianos contam que são amigos e saíram da Bahia em janeiro de 2023, rumo a uma oportunidade de emprego de dois meses colhendo uvas no Rio Grande do Sul. A dupla soube da vaga a partir do familiar de um deles, que mora no estado há anos.

“Chegamos lá com um grupo grande de pessoas. Quando vimos a situação todos quiseram ir embora, mas a gente não tinha dinheiro para voltar”, contou um deles.

“Quando souberam que dei baixa na minha carteira [de trabalho], ele [suspeito] passou com a pistola com o cabo para fora para me intimidar. Apontavam a arma para irmos trabalhar, davam choque no pé. Era trabalho forçado”, disse.

Ambos relataram que não tinham acesso à toalhas, lençol, nem talheres. A comida, que chegava em quentinhas e geralmente estava estragada, era consumida com a mão. Por conta da falta de estrutura, os baianos acumularam dívidas com a compra de comidas e de itens básicos.

Trabalhadores estão abrigados no Ginásio Municipal de Bento Gonçalves. Foto: Reprodução

Além disso, eles contaram que as jornadas de trabalho passavam de 15h por dia e muitos deles começaram a colheita nas primeiras horas da manhã e voltavam para o alojamento após 23h. No dia seguinte, o ciclo se repetia. “Acordavam a gente 4h da manhã, chamando a gente de demônio e presidiário. Nem força para trabalhar a gente tinha”, disse um dos homens.

Um dos baianos ficou no local por 10 dias e fugiu com a ajuda da família após adoecer e não ter direito a receber cuidados médicos. Já o segundo ficou no local por 22 dias e precisou dormir na rua antes de conseguir ajuda financeira da família para voltar para o estado baiano.

Além das dívidas referentes a alimentação, eles precisaram arcar com a volta para casa sozinhos. Dos R$ 4 mil que seriam pagos pelo trabalho, as vítimas não receberam nem metade: um deles recebeu cerca de R$ 400 pelo trabalho de 10 dias, enquanto o outro não ganhou nada.

O responsável por recrutar e manter os trabalhadores é o empresário baiano Pedro Augusto de Oliveira Santana. Ele foi preso, mas vai responder pelo crime em liberdade após pagar fiança de R$ 40 mil.

Após a repercussão do caso, os dois baianos desejam que a justiça seja feita. “A empresa lucrava muito em cima do nosso trabalho. Queremos alguma indenização para pelo menos pagarmos as dívidas que fizemos”, afirmou um dos trabalhadores.

As vítimas relataram ainda que convivem com o trauma das situações vividas na vinícola e com medo de serem procurados pelos suspeitos. “Tenho pesadelos todas as noites”, desabafou um deles.

Abaixo, vídeos da operação policial que descobriu o alojamento:

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