Publicado originalmente no ConJur:
Por Sérgio Rodas
Após o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, mandar, no fim de 2018, soltar todos os que cumpriam pena após condenação em segunda instância, os integrantes da força-tarefa da Lava Jato no Paraná articularam um “plano B” para pedir nova prisão do ex-presidente Lula e impedir que ele deixasse a prisão.
As mensagens constam de petição apresentada pela defesa do petista, nesta segunda-feira (8/3), ao Supremo Tribunal Federal. O diálogo faz parte do material apreendido pela Polícia Federal no curso de investigação contra hackers responsáveis por invadir celulares de autoridades.
O ministro do STF Luiz Edson Fachin anulou nesta segunda as condenações de Lula no caso do tríplex do Guarujá, do sítio de Atibaia, da sede do Instituto Lula e das doações ao instituto. Fachin declarou incompetente a 13ª Vara Federal de Curitiba, que tinha como titular o ex-juiz Sergio Moro, para processar e julgar o ex-presidente. Com a decisão, o petista volta a ter direitos políticos e pode disputar uma eleição. No entanto, a decisão de Fachin não impede que a 2ª Turma do STF julgue a suspeição de Moro nos casos de Lula.
Em 2016, o Supremo Tribunal Federal passou a permitir a execução da pena após decisão de segunda instância. Ao negar Habeas Corpus de Lula em abril de 2018, a corte reafirmou esse entendimento em abril de 2018 e permitiu a prisão do petista.
Diversas ações questionaram a mudança de jurisprudência do STF, pedindo a declaração de constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal. O dispositivo proíbe prisões antes do trânsito em julgado da condenação, exceto em casos de flagrante ou imposição de medida cautelar. No entanto, os julgamentos dessas ações foram adiados por diversas vezes.
Em 19 de dezembro de 2018, Marco Aurélio suspendeu a execução antecipada da pena de prisão e mandou soltar todos os que estivessem presos nessa condição. Em liminar, o ministro se disse convencido da constitucionalidade do artigo 283 do CPP. O magistrado criticou o uso de “argumentos metajurídicos” para justificar a execução antecipada quando a Constituição não a permite. Entre esses argumentos, os altos índices de violência e de corrupção na sociedade brasileira.
Em grupo de mensagens no Telegram, a procuradora Laura Tessler compartilhou a notícia sobre a liminar de Marco Aurélio e comentou: “Que vergonha!!!!”. “Isso é coisa de bandido!!! MA passou de todos os limites!!! Liminar no último dia antes do recesso nessa extensão é de uma canalhice sem tamanho!”, disse Laura.
O chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol, avaliou que a decisão do ministro iria ajudar a Lava Jato e enviou notícia do jornal Folha de S.Paulo que dizia que a hashtag “um cabo e um soldado” estava entre as mais compartilhadas no mundo no Twitter.
A hashtag referia-se a uma fala do deputado federal Eduardo Bolsonaro em julho de 2018. Em uma “aula” para concurseiros que se preparavam para participar de seleção da Polícia Federal, o parlamentar foi questionado sobre o que aconteceria se o Supremo Tribunal Federal ou o Tribunal Superior Eleitoral tentasse impugnar a candidatura de seu pai, Jair Bolsonaro, a presidente.
“Eu não acho isso improvável não, mas aí vai ter que pagar pra ver. Será que eles vão ter essa força mesmo? Pessoal até brinca lá, cara, se quiser fechar o STF sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe, cara, manda um soldado e um cabo. Não é querendo desmerecer o soldado e o cabo não. O que que é o STF, cara? Tipo, tira o poder da caneta de um ministro do STF, que que ele é na rua?”, respondeu Eduardo.
Após a decisão de Marco Aurélio, a defesa de Lula protocolou um pedido de soltura do petista na 12ª Vara Criminal Federal de Curitiba.
Com receio de que o ex-presidente fosse solto, os integrantes do MPF passam a discutir o cenário. O procurador Januário Paulo prevê que a juíza Carolina Lebbos “vai peitar sozinha”. Já o procurador Paulo Roberto Galvão de Carvalho opina que a julgadora não precisa ter o desgaste de descumprir a liminar de Marco Aurélio — “basta segurar!!!”. “Afinal de contas, o Lula não tem prioridade, tem outros presos lá.”
Dallagnol sugere que o espere os próximos movimentos. “Januário, não devemos protocolar nada agora, e sim expandir o tempo da decisão. Vamos ver o prazo que a juíza nos dará em vista.”
Pouco tempo depois, o chefe da força-tarefa informa que falou com Carolina Lebbos e que “ela vai abrir vista pra nós”. “Podemos até pedir que seja suscitado o supremo”. Temos que ver quem é o regional de plantão. Parece que o desembargador é o Thompson [Flores, então presidente do TRF-4] durante o recesso todo e ele segura, mas é bom checar”.
“Januário, Vc checa isso? Como a Carolina vai dizer que preliminarmente não é o caso de soltura imediata, pode haver HC contra essa decisão que nos abre vist[a]”, pede Dallagnol a Paludo. Este informa que já tem manifestação pronta pelo indeferimento da soltura de Lula. Porém, Dallagnol solicita que ele ainda não a protocole e afirma não achar ruim “ganharmos tempo”. “Então deixo a manifestação para o plantão”, diz Paludo.
Alegando que a decisão de Marco Aurélio não foi publicada no Diário de Justiça Eletrônico (DJe), a juíza Carolina Lebbos negou o pedido de soltura de Lula e enviou o requerimento ao Ministério Público Federal, para parecer.
“Plano B”
Em seguida, Deltan Dallagnol diz que falou com o subprocurador-geral da República Nicolao Dino e que o plantão judicial no Superior Tribunal de Justiça seria conduzido pelos ministros João Otávio de Noronha, então presidente da corte, e Maria Thereza de Assis Moura, vice, ambos “péssimos”, conforme Dallagnol.
Diante desse cenário, o chefe da Lava Jato sugere uma alternativa. “O plano B é pedir prisão aqui [Paraná]. tEremos que fazer brainstorming pra razões. Dentre elas, temos que incluir o tumulto pra prisão dele última como razão de ordem pública”.
“Não dá para pedir preventiva”, avalia Paludo. E Carvalho prevê que Dias Toffoli, presidente do STF à época, irá suspender a liminar de Marco Aurelio. No mesmo dia, Toffoli cassou a decisão, informando que o Plenário iria julgar a questão em abril.
Em novembro de 2019, por seis votos a cinco, o Plenário do Supremo retomou o entendimento de que a pena só pode ser executada após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Prevaleceu o voto do relator, Marco Aurélio.
Em 8 de novembro, um dia depois que o STF fixou entendimento sobre a execução provisória, o ex-presidente Lula foi solto beneficiado pela decisão da corte. O petista, que foi detido após condenação em segunda instância, estava preso há 580 dias na Superintendência da Polícia Federal de Curitiba.