Originalmente publicado no UOL
Por Leonardo Sakamoto
As massadas do comportamento irresponsável das festas de final de ano aparecem nas estatísticas, com os 1.379 registrados nesta sexta (8). Discute-se se ultrapassaremos os 2 mil mortos / dia em janeiro, da mesma forma que, nos Estados Unidos, avalia-se quando alcançarão 5 mil mortes diárias.
Claro que isso é mera curiosidade mórbida porque já está claro que esses números não chocam uma boa parte da população. E nem o governo, uma vez que sua popularidade não está vinculada ao número de baixas. Com o pagamento do auxílio emergencial a quase 70 milhões de pessoas, a gestão de Jair Bolsonaro conseguiu evitar, em 2020, impactos de sua necropolítica.
Quando ocorrido o primeiro óbito por covid-19, em 17 de março do ano passado, muitos apostaram que se chegássemos a mais de mil mortes por dia, poderia haver uma convulsão social. Não só ela não veio, como a banalização da morte desponta como uma das heranças que a Era Bolsonaro nos deixará.
Não é apenas uma questão de que aglomerações não são permitidas, pois convulsões não consultam taxa de infecção para acontecer. De fato, houve um ensaio disso, aproveitando os protestos do Black Lives Matter, nos Estados Unidos, e com a morte de João Alberto, por seguranças do supermercado Carrefour.
Quando ocorrido o segundo óbito, uma trabalhadora empregada doméstica infectada por seus patrões, moradores de um bairro rico do Rio, que viajado viajado para a Itália e não a avisaram que estava com suspeita de terem contraído o corovírus, estava claro que esta seria uma pandemia do cada um por si e Deus acima de todos mostraria toda sua força.
Claro que a solidariedade esteve viva e presente em ações, principalmente levadas a cabo por coletivos, movimentos e associações nas periferias. E é compreensível que, em meio a uma global e mortal, as pessoas busquem priorizar a sua doença e a sua família.
Bolsonaro, por exemplo, toda a estrutura à sua disposição no governo federal para proteger a sua reeleição e tentar salvar o pescoço de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), denunciado por desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Há um pequeno naco da sociedade que pouco se importa se uma montanha dos brasileiros vive ou morre contanto que não seja ele, como já disse aqui. E é tapado ou egoísta o bastante para não acreditar que pode vir a ser ele.
Esse grupo bomba megafestas clandestinas no Reveillón, anda na rua orgulhosamente sem máscara e acha que famílias choram por caixões cheios de pedra. Prefere vidas perdidas do que empregos fechados, porque acha que vida tem sobrando. Não está desconectado da realidade, mas acha que debater a realidade é coisa de comunista. Apesar de todos estarem cansados do isolamento, acham que seu cansaço é semper maior.
Há outro maior que, diante do aumento paulatino de vítima da tragédia, acabou por adaptar-se a ela, ignorando-a. Não por ser insensível, mas foi a maneira que encontrou para enfrentar o medo da morte sem surtar diariamente. Porque, convenhamos, é muito fácil enlouquecer diante do que vemos e ouvimos.
E aquele que foi escolhido pela sociedade para ir para o sacrifício, entregando comida, transportando pessoas, recolhendo o lixo, lavando cuecas e varrendo a casa de terceiros. Ou simplesmente buscando sobreviver, até porque o auxílio emergencial acabou.
Esse naco sabe dos riscos que corre, mas pega o ônibus lotado todos os dias. Encara, com raiva ou resignação o número de matança diária. Desconfia que a próxima pode ser ele. Lamenta os conhecidos que já se foram, sabendo, ao contrário do presidente, que “a morte é o destino de todos”, mas não precisa vir agora.
E faz piada com sua própria condição, porque o humor é uma única coisa que lhe resta.