POR MIGUEL ENRIQUEZ
Para quem esperava participar de uma sessão memorável, a aparição relâmpago de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, na manhã de 20 de fevereiro, onde compareceu para entregar oficialmente a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Reforma da Previdência, foi o anticlímax.
Desgastado pelo constrangedor festival de mentiras e manipulações que resultou na demissão do ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno, Bolsonaro entrou mudo e saiu calado do prédio que frequentou nos últimos 28 anos como um obscuro e improdutivo parlamentar, evitando qualquer contato com a imprensa.
Ao contrário do que se esperava, “meu capitão”, como o chama mesmo depois da humilhação Bebianno, cancelou a ideia de fazer um pronunciamento público no plenário, em defesa do projeto.
Optou por entregá-lo, a portas fechadas, no gabinete do presidente da Câmara, Cesar Maia, na presença do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e de um punhado de representantes dos partidos que apoiam o seu governo no Congresso.
Ali, Bolsonaro fez uma espécie de “mea culpa” afirmando que errou ao ter se posicionado contra a reforma quando era deputado federal, alegando desconhecimento da real situação da Previdência.
Na cara dura, fiel ao seu estilo mistificador, se esqueceu que durante a campanha eleitoral do ano passado afirmou mais de uma vez que o desequilíbrio nas contas públicas não tinha qualquer relação com Previdência.
Num extremo de retórica, chegou, mesmo, a praticamente jurar que jamais atuaria para levar miséria aos aposentados por exigência do mercado financeiro.
Ao estelionato eleitoral, praticado para engambelar e angariar os votos dos eleitores que viriam a ser prejudicados pela reforma, soma-se a má consciência do capitão ao aceitar a proposta elaborada por seu posto Ipiranga. o ministro da Economia Paulo Guedes.
Resumidamente, a PEC, que precisará passar pela aprovação na Câmara e no Senado, estabelece que os brasileiros que ganham acima de um salário mínimo precisarão contribuir por 40 anos para conseguir aposentar-se com 100% do salário-teto do INSS, atualmente de R$ 5.839, além de fixar a idade mínima de 62 anos para as mulheres e 65 anos para os homens.
Seguramente, um motivo de constrangimento das novas regras para Bolsonaro vem de sua própria história.
Afinal, desde que foi afastado das fileiras do Exército, em 1988, com apenas 15 anos de serviço e 33 anos de idade, o atual presidente passou a receber uma aposentadoria de capitão, que hoje chega a R$ 9.135 mensais, 63% acima do teto do INSS.
Ou seja, Bolsonaro recebe esse benefício, ao qual já tem direito de acrescentar uma aposentadoria após 28 anos de mandato parlamentar, de aproximadamente R$ 27 000, além dos R$ 30.934 dos proventos de presidente, há nada menos de 31 anos.
E a julgar pela expectativa de vida para os brasileiros na faixa dos 60 anos de idade, que chega a 82,3 anos, de acordo com o IBGE, Bolsonaro, nascido em 1955, continuará, em tese, a receber a aposentadoria como capitão ao menos pelos próximos 18 anos.
Sem dúvida, caso se confirmem, essas quase seis décadas de benefício contínuo do Exército serão um recorde que, por mais que aumente a longevidade da população brasileira, jamais será batido por qualquer contribuinte enquadrado nas novas regras da Previdência Social propostas pelo governo dos homens de bem.
Vai para o Guiness ou não vai?