Aqueles que a justiça manda soltar e os outros que nunca manda prender. Por Moisés Mendes

Atualizado em 15 de outubro de 2020 às 8:01

Originalmente publicado por BLOG DO MOISÉS MENDES

Por Moisés Mendes

Esgotou-se o debate sobre a barbeiragem (será só isso?) que permitiu a soltura do traficante André do Rap. Os entendidos em hermenêutica tiveram uma semana para exibir conhecimentos sobre quem deve ou não ser solto, quando e por quê.

Mas podemos retomar, com a mesma intensidade, outro debate sobre os bandidos que a Justiça nunca consegue prender. Soltar poderosos é fácil. O Supremo sabe lidar com maestria com certas solturas.

Mas mandar prender poderosos da direita é difícil, na maioria das vezes é tão complexo que a maioria que deveria estar encarcerada nunca passou perto da ameaça de entrar numa cela. Os tucanos corruptos, por exemplo.

O caso de Aécio Neves é exemplar. No dia 26 de setembro de 2017, o Supremo decidiu que Aécio não poderia ser preso, como queria Rodrigo Janot, enquanto era investigado por ter recebido dinheiro de caixa dois da JBS.

No dia 11 de outubro, o mesmo Supremo decidiu que o afastamento de deputados e senadores do seu mandato, por ordem do mesmo Supremo, precisaria do aval do Congresso.

O então senador Aécio Neves estava com a vida dependurada num penhasco. Havia sido afastado do mandato por decisão recente do STF.

Mas o tucano acabou sendo beneficiado pelo voto de desempate da ministra Carmen Lúcia, que só foi assimilado por quem ouvia o que ela tentava dizer depois de traduzido por Celso de Mello.

Essa decisão do STF, provocada por ação direta de inconstitucionalidade (Adin), ajuizada por PP, PSC e SD, pode ter sido a última deliberação a quase ameaçar políticos da direita na Justiça. Quase.

O Supremo não iria mandar prender Aécio, até porque já decidira que ele continuaria solto, mas o encaminharia para um constrangimento talvez incontornável, se a decisão tivesse sido outra.

Mas o Supremo não deixaria o líder do golpe sem mandato. Aécio continuou circulando pelo Congresso, salvo depois pelos parceiros, desistiu de disputar de novo a cadeira de senador e se protegeu estrategicamente no que era possível, um mandato e uma imunidade de deputado federal.

O único tucano julgado, condenado e preso é um exemplar de terceira linha, que só os mineiros sabem que existe. É o ex-governador Eduardo Azeredo, um tucano tão pequeno que é quase um tico-tico.

Nem Aécio, nem Serra, com seus dinheirinhos na Suíça, nem Alckmin, nem Fernando Henrique (que Sergio Moro nunca deixou que investigassem) foram incomodados pela Justiça como incomodaram Lula e os que seriam ligados a ele e ao PT.

Por isso, quando diz que o traficante solto por Marco Aurélio debochou da Justiça, Luiz Fux poderia admitir também que a própria Justiça debocha dela mesma.

O Supremo, famoso por soltar bandidos com bons advogados, geralmente por ordem de Gilmar Mendes e de Marco Aurélio, é famoso também por não mandar prender.

O Supremo só permitiu que prendessem e ficassem sob prisão preventiva para sempre os submetidos à masmorra de Curitiba.

Esses nunca tiveram a chance de ganhar a liberdade, porque a prisão era parte decisiva da tática do cansaço para que se transformassem em delatores. O STF nunca contrariou Moro antes que o preso fosse forçado a fazer delações.

Eduardo Cunha só foi preso porque julgados antes e politicamente pelos próprios companheiros, depois de concluído o serviço sujo.

Cunha não vale. Tampouco vale o caso de Geddel Vieira Lima, pego em flagrante com malas de dinheiro.

A Justiça deixou escapar os líderes tucanos, trata Michel Temer e seus ajudantes de Quadrilhão a pão de ló e começa a vacilar no cerco aos filhos de Bolsonaro, já flagrados como participantes do Gabinete do Ódio e por envolvimento direto nos atos pró-golpe.

Agora mesmo, o bolsonarista e vice-líder do governo no Senado Chico Rodrigues (DEM-RR) foi flagrado carregando nas cuecas dinheiro que seria para programas da saúde. O que vai acontecer? Por favor, não respondam.