Arábia Saudita entregou joias a Bolsonaro em meio a lobby para Brasil entrar na OPEP

Atualizado em 24 de abril de 2023 às 13:07
O príncipe Abdulaziz Bin Salman Bin Abdulaziz Al Saud, ministro de Energia do reino da Arábia Saudita, participa de reunião com o então ministro de Minas e Energia brasileiro, Bento Albuquerque. Foto: Reprodução/Itamaraty

Por Jamil Chade, Giovana Girardi, Natalia Viana

O governo brasileiro discutiu a produção da Petrobras e a entrada na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) com a Arábia Saudita sob o pretexto de tratar de energias “limpas”, indicam documentos obtidos pela Agência Pública e fontes no Itamaraty.

A viagem encabeçada pelo ex-ministro de Minas e Energia de Jair Bolsonaro (PL), o almirante Bento Albuquerque, em outubro de 2021, tinha como justificativa o lançamento da “Iniciativa Arábia Saudita Verde”, mas, de acordo com a apuração, nos bastidores se tratou da produção de petróleo e do lobby dos sauditas para reforçar o cartel da OPEP. Foi a segunda vez que o convite para o Brasil se juntar ao grupo foi feito diretamente ao primeiro escalão do governo Bolsonaro.

O evento funcionou como ação de greenwashing, termo usado para ações que parecem sustentáveis, mas na realidade servem para tentar melhorar a imagem de empresas e governos que poluem.

Foi dessa viagem que a comitiva voltou com as joias milionárias que seriam entregues como presente a Bolsonaro e à então primeira-dama Michelle, em vez de serem incorporadas ao acervo do Estado brasileiro, como revelou o Estadão. Após o escândalo, Albuquerque chegou a afirmar que escreveu ao governo saudita informando que a joia seria incorporada ao acervo nacional. Entretanto, em resposta a um pedido de Acesso à Informação feito pela Pública, o Ministério de Minas e Energia afirmou que não encontrou nenhum registro da tal carta. Segundo fontes ouvidas pela reportagem, a estratégia saudita era uma “operação sedução” que, além dos presentes, também envolveu promessas de investimentos no Brasil.

A OPEP é o cartel de países produtores de petróleo fundado em 1960 inicialmente com Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait e Venezuela. Atualmente, a organização tem mais de 10 membros, além de países alinhados, mas que não são membros, como a Rússia — que integra a chamada OPEP+, uma espécie de segundo escalão do bloco. O Brasil foi convidado para fazer parte deste escalão, criado para ampliar o poder político do grupo, que atua para determinar o preço do barril pelo mundo. Na OPEP+, os países não precisariam adotar as mesmas medidas determinadas pelo grupo a membros, nem mesmo sobre as cotas de produção. Para os sauditas, a lógica é simples: quanto maior o número de produtores dentro do cartel, melhor para sua posição de força.

Ministro discutiu petróleo em evento “verde”

Nos dias 23 e 24 de outubro de 2021, o almirante Albuquerque visitou a Arábia Saudita como representante do governo Bolsonaro para um evento de lançamento da “Iniciativa Arábia Saudita Verde”. Com o tema “Uma nova era de ação: oásis vivo”, o objetivo, de acordo com o convite enviado ao Estado brasileiro, era “promover uma ação ambiental ambiciosa”, com a promessa de o país alcançar 50% de fontes renováveis de energia até 2030 e de plantar 10 bilhões de árvores nas próximas décadas.

O evento, que reuniu também o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e o enviado especial para questões climáticas dos EUA, John Kerry, trazia como justificativa o cenário de emergência climática vivido pelo mundo. Mas as palavras escolhidas foram cuidadosas e não faziam em nenhum momento menção à necessidade de redução do uso de combustíveis fósseis – cuja queima é a principal fonte de emissões do gases que provocam o efeito estufa.

“O mundo está entrando em uma nova fase de transformação econômica em um momento crítico para o planeta. O reflorestamento e soluções baseadas na natureza são agora ativamente buscadas por seus benefícios ao clima e à biodiversidade e por seus retornos financeiros. Essa transformação é a oportunidade de crescimento do século. Precisamos de ação urgente e baseada na ciência. Precisamos disso em grande escala. E precisamos agora”, continuava o convite.