Denises Assis
O depoimento de vários altos oficiais superiores sobre o fracassado golpe de 8 de janeiro perante a Polícia Federal repetiu o mesmo refrão do nazista Eichmann: cumpriam ordens. Neste caso, – o do Brasil -, ordens do então Presente da República. Pensaram, com isto, escaparem do Regimento Disciplinar do Exército. Cabe aí advertir a nulidade de tal argumentação.
O Regimento Disciplinar do Exército e demais Forças estabelece com clareza que ordens ilegais, imorais, degradantes e contrárias ao Ordenamento Jurídico da Nação não podem ser acatadas e o militar, ou policial, pode apresentar suas razões para se recusar a cumprir as ordens determinadas.
O “Princípio do Dever Cumprido” alegado por oficiais perante a PF não implica em risco desnecessário de vida – própria e de outros -, matar, roubar, cometer suicídio, humilhar subordinados. Mesmo o importante Tribunal Penal Internacional de Nuremberg recusou o argumento da Defesa (dos responsáveis pelo Holocausto) de “obediência devida ao superior”.
Na verdade, o historiador Christopher Brown comprovou com vasta documentação que a Krimpo, Gestapo, SS ou a Wehrmacht, não punia qualquer militar, ou policial, que se recusasse a participar de massacres de civis (embora participar de tal genocídio gerasse benesses e promoções). Ou seja, cabe à Justiça brasileira demonstrar que não vivemos num ensaio geral do IV Reich nos trópicos.
E, cabe ainda acrescentar, que o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu recentemente (12/04), em sessão virtual, que punição a militares por críticas públicas a superiores ou governo é constitucional.
A decisão de validar e dispositivo do Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001/1969), que prevê pena de detenção a militares ou assemelhados (policiais e bombeiros militares) e que critiquem publicamente atos de superiores ou resoluções do governo – a norma do Código Penal Militar, ao considerar a peculiaridade das atribuições militares -, foi aprovada por unanimidade. Segundo o STF, a norma é compatível com a Constituição Federal de 1988.
A decisão foi tomada no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 475, em que o Partido Social Liberal (PSL) alegava que o artigo 166 do Código Penal Militar (CPM), anterior à Constituição Federal, era ultrapassado e violaria o direito fundamental à liberdade de expressão.
Para o relator da ação, ministro Dias Toffoli, as restrições previstas no dispositivo legal são adequadas e proporcionais, fazendo a necessária conciliação entre os valores constitucionais da liberdade de expressão dos militares, da segurança nacional e da ordem pública, bem como da hierarquia e da disciplina que regem as corporações.
No entender do ministro relator, não há inconstitucionalidade na vedação a manifestações de militares, policiais e bombeiros militares contra atos da administração ou movimentos de apreço ou desapreço a autoridades. Para ele, as especificidades dessas carreiras tornam admissíveis que seus integrantes sejam submetidos a regime disciplinar distinto do aplicado aos servidores públicos civis em geral. “Entre essas especificidades estão a subordinação hierárquica e disciplinar aos respectivos comandantes, e esses princípios basilares não podem ser comprometidos por manifestações pessoais em espaços públicos”, destacou.
Toffoli também observou que “a livre manifestação de ideias, mesmo que envolvam críticas e protestos, é condição para o amadurecimento do sistema democrático e o desenvolvimento da sociedade pluralista pretendida pela Constituição. No entanto, as limitações impostas às carreiras militares visam atender ao bem comum, em detrimento de interesses particulares”.
Originalmente publicado por Jornalistas pela Democracia
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