O general Walter Souza Braga Netto é reconhecido até pelos coronavírus de Brasília como tutor do governo Bolsonaro. Mas é provável que não estivesse onde está se não carregasse no currículo um desafio imposto pelo Alto Comando do Exército em 2018.
Em fevereiro daquele ano, o general, então chefe do Comando Militar do Leste, resistia à ideia do governo Temer de intervir com as armadas no Rio.
Braga Netto não concordava com o plano de intervenção e considerava improvável – mesmo que fosse comandante da região – a possibilidade de vir a chefiar as tropas que tentariam impor a ordem numa cidade conflagrada. Foi o que ele disse ao ministro da Defesa, Raul Jungmann.
Pois Braga Netto não só foi dobrado quanto à intervenção, como teve de assumir o comando da operação. A resistência do general e sua submissão às ordens do Alto Comando e do governo estão na abertura da reportagem “Mal-estar na caserna”, publicada na revista Piauí em março de 2018, que já abordei aqui neste blog esta semana.
O repórter Fabio Victor conta em detalhes as idas e vindas, até a reunião final em Brasília em que o comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas – também contrário à intervenção –, e Braga Netto são convencidos por Temer de que terão dinheiro para tocar adiante o plano.
Braga e Villas Bôas temiam o desgaste na imagem dos militares com o contágio da farda pela política. Mas o general comandou a complicada operação, que, se não piorou, não ajudou em nada a reputação das Forças Armadas.
Pois foi assim que o ex-interventor militar chegou ao governo Bolsonaro, com o cacife de ter gerido uma ocupação traumática para o Exército.
Braga Netto comandava o Estado Maior do Exército no governo Bolsonaro, quando em fevereiro deste ano assumiu a Casa Civil, no lugar de Onyx Lorenzoni.
Não era apenas mais um general num governo que já mandou seis deles embora. Era o militar de prestígio chamado para acionar o freio de arrumação e ser o gestor de todas as engrenagens e conexões políticas internas e externas do governo, que assumia de forma irreversível a militarização total do bolsonarismo no poder.
Quando Braga Netto foi deslocado para a Casa Civil, já estavam no Planalto, na Secretaria de Governo, o general Luiz Eduardo Ramos; no Gabinete de Segurança Institucional, o general Augusto Heleno; e na Secretaria-Geral, o major da Polícia Militar do Distrito Federal Jorge Oliveira.
E ainda havia, em cargo menos importante, o general Otávio Santana do Rêgo Barros, como porta-voz. E sem contar o vice Hamilton Mourão e os que já haviam sido demitidos.
Desde 17 de março, o general comanda o comitê unificado das ações contra a pandemia. Por isso coordena também a mesa das entrevistas coletivas compartilhadas desde a semana passada.
É uma situação esdrúxula: o general coordena e unifica ações e discurso da guerra contra a peste (pelo isolamento e pelas restrições às atividades econômicas), enquanto Bolsonaro, como franco atirador, discursa em direção contrária, conspirando contra o seu subordinado e o próprio governo.
Mas Braga Netto não é visto mais apenas como o poderoso gestor do governo. Está consagrado que ele é quem manda no governo no momento em que a prioridade é vencer a pandemia. Sua nova função ‘informal’ explicaria sua ascensão à Casa Civil como uma escada para que chegasse aonde chegou.
Braga Netto apresenta-se, por consenso dos generais, segundo a interpretação de alguns, como a imagem da liderança do governo contra o surto, enquanto Bolsonaro continua surtado, porque ele, Braga Netto, é quem de fato governa.
Tem fundamento? Em Brasília, não há fundamento absoluto em mais nada. Mas esse enredo confuso deve continuar assim, para que a pandemia seja enfrentada com alguma racionalidade.
Continuará até que os aliados com alguma força política e os generais decidam o que é possível fazer para que Bolsonaro seja apenas um sujeito que pensa que governa, mas não governa mais nada.
Seria ainda o presidente, eleito pelo voto, mas sem nenhum poder de comando. Vai funcionar?
Bolsonaro já deu sinais de que não ficará amarrado ao comando dos generais e anunciou que está pronto o decreto (que desafia os governadores), para que todos os brasileiros que que quiserem voltem a trabalhar.
O duelo agora não é mais somente de Bolsonaro com as esquerdas e com os outros poderes, mas dele com a ala fardada do governo e com os fardados que estão fora do poder.
Lembrando sempre que Braga Netto não queria comandar a intervenção no Rio. E que ninguém sabe até agora se ele queria ser o interventor na desordem do governo de Bolsonaro. A dúvida é irrelevante. Braga Netto é quem detém o poder.