Por Laura Scofield e Alice Maciel
Após passar quatro anos estreitando relações políticas com a extrema direita nos Estados Unidos, e com a derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas urnas, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) decidiu fincar raízes no país. Ele abriu em 18 de março uma holding no Texas que, duas semanas depois, passou a administrar uma empresa que se descreve como importadora e exportadora de carnes e commodities, a Omni World Trades.
A reportagem apurou, no entanto, que a Omni está registrada em um apartamento residencial de luxo em Sunny Isles Beach, na Flórida. A Agência Pública visitou o local nos dias 25 e 26 de junho e os porteiros afirmaram que nenhuma empresa funciona ali. Já o endereço da firma no Brasil, divulgado em seu site, é a residência do presidente do Partido Liberal de Santana de Parnaíba (SP), Leandro Monteiro (PL-SP), aliado político de Eduardo Bolsonaro. A reportagem foi até o endereço em 19 de julho e Monteiro negou, através da portaria, que a Omni funcionava no endereço. Dias depois, o endereço sumiu do site.
Após a Pública ir até os dois endereços da empresa e procurar pessoas ligadas a ela para entender a ligação do deputado federal com o negócio, no último 27 de julho, a holding de Eduardo Bolsonaro se desligou da Omni.
Procurado, o deputado não respondeu sobre a natureza da sua ligação com a empresa ou se houve algum negócio ou transferência de valores realizado enquanto sua holding foi controladora da Omni.
Investigação do projeto “Mercenários Digitais” revela que o filho 03 do ex-presidente Jair Bolsonaro se envolveu com uma empresa de importação e exportação no Brasil e Estados Unidos que parece funcionar apenas no papel.
Conforme mostrou reportagem publicada em maio numa parceria entre a Agência Pública, o UOL, e outros 18 veículos latino-americanos e cinco organizações especializadas em investigação digital, sob a liderança do Centro Latinoamericano de Investigação Jornalística (CLIP), Eduardo Bolsonaro fundou a Braz Global Holding em sociedade com o influenciador Paulo Generoso – conhecido por compartilhar fake news e que apoiou os atos golpistas de 8 de janeiro – e o ex-secretário de Cultura de Jair Bolsonaro, André Porciuncula. A Braz Global foi registrada por Generoso no endereço de sua casa, em Arlington.
Novas investigações revelam agora que a holding administrou, de 31 de março a 27 de julho, a Omni World Trades, que se define como “especialista no fornecimento internacional de alimentos frescos e congelados”. A empresa informa ainda em seu site ter entre seus produtos, carnes, aves, laticínios, óleos, commodities e ração. “Nosso objetivo é conectar os melhores fornecedores e vendedores ao redor do mundo, garantindo a satisfação do cliente e a excelência no atendimento”, destaca.
O site da Omni foi criado exatamente no mesmo dia em que ela passou a ser administrada pela Braz Global. Um dos responsáveis pela página é Floriano Amorim, homem de confiança de Eduardo Bolsonaro e que também está ligado à divulgação de fake news. Amorim foi assessor do deputado na Câmara e chefiou a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) no início do governo de Jair Bolsonaro.
“Indícios clássicos de lavagem de dinheiro”
Para Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil, as empresas ligadas a Eduardo Bolsonaro apresentam “indícios de lavagem de dinheiro”. “É um pouco difícil cravar que se trata de uma empresa fantasma ou uma empresa de fachada, mas há todos os indícios de uma empresa de fachada, isso a gente pode dizer. Se você tem essas camadas de esconderijos ou de endereços que não batem, de registros que não fazem sentido com a realidade, esses são indícios clássicos de lavagem de dinheiro e de tentar esconder patrimônio”, explicou.
Ela também chamou a atenção para a velocidade envolvida no processo da Braz Global se tornar administradora da Omni e ser retirada. “Parece um processo muito rápido, o que não é muito comum em termos de administração de empresas, então mantém-se a suspeita. Por que saiu tão rápido? Por que entrou? Por que essa empresa não existe, praticamente?”, questionou.
“Aparentemente essas pessoas têm algo a esconder, porque a cada rastro que aparece, a cada informação que aparece, eles tentam apagar”, avaliou Fabiano Angélico, consultor sênior da Transparência Internacional, em entrevista.
De acordo com ele, a relação de Eduardo Bolsonaro com a Omni “merece atenção das autoridades”.
“Em se tratando de uma família de políticos sobre os quais pesam denúncias, e muitas vezes denúncias bem substanciadas, com bastante evidências sobre crimes como rachadinhas, eu acho que as autoridades precisam olhar com lupa para casos desse tipo e para essa empresa em particular, mesmo que, em princípio, não haja nada ilegal ou ilícito”.
Omni não funciona no endereço registrado nos EUA
A Omni foi registrada na Flórida em 4 de maio de 2021 por Leonardo Arruda de Lemos, empresário brasileiro de 43 anos que vive nos Estados Unidos há pelo menos dez. Um mês depois de se unir à Braz Global, em 28 de março, a sede da empresa – que era em um coworking em Fort Lauderdale –, foi transferida para o endereço atual: um apartamento em Sunny Isles Beach, cidade turística perto de Miami, que atrai milionários. O advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, tem um imóvel na cidade, localizado a cerca de 10 km do endereço da Omni.
Além da Omni, outra empresa de Leonardo Lemos está registrada no mesmo apartamento: trata-se da Kyoudai Llc, que se mudou para o local em 28 de abril de 2022. Os documentos da Kyoudai não indicam seu ramo de atuação, apenas “todo e qualquer negócio legal”.
O imóvel pertence ao casal Tammy Marie Johnson e James T Johnson III desde 31 outubro de 2022, conforme os registros oficiais de Miami-Dade. O apartamento, comprado pelo casal por $1,075,000 (o que equivale a aproximadamente R$ 5,2 milhões), tem cerca de 161 m². O prédio tem um pequeno cais e conta com uma garagem de iates.
A reportagem da Pública foi até o condomínio 400 Sunny Isles nos dias 25 e 26 de junho e conversou com quatro pessoas que trabalham na portaria. A reportagem perguntou pela Omni e por Leonardo Lemos, mas eles não encontraram nenhum registro no sistema do prédio. Segundo os funcionários, apenas o casal Johnson está autorizado a acessar o imóvel. “Eles moram aqui, mas não os vejo há um tempo”, disse uma funcionária.
Por conta disso, correspondências em nome das empresas de Lemos também não são recebidas na portaria. “Quando chegam encomendas, a gente procura pelo destinatário no sistema. Se [ele] não tiver [cadastro] a gente devolve [o produto], e ele volta para quem quer que o tenha enviado”, explicou um dos ouvidos. A administração do condomínio e o empresário Leonardo Lemos não responderam às tentativas de contato por e-mail.
Também entramos em contato por e-mail com a dona do imóvel, a empresária Tammy Johnson. Ela vive na Pensilvânia, onde possui uma empreiteira de demolição, a Tamco Construction Inc. Tammy confirmou que é dona do apartamento em Sunny Isles e disse ter conhecimento que a Omni está registrada no local. No entanto, ao ser questionada sobre sua relação com Leonardo Lemos, escreveu: “Não conheço ele, desculpe”, e parou de responder as mensagens.
A reportagem também foi até o Regus Coworking, em Fort Lauderdale, onde a Omni e a Kyoudai estavam registradas antes de mudar para o atual endereço. Uma funcionária da portaria informou que Lemos não trabalha lá e que não há registros em nome das empresas. Uma pessoa que trabalha no local disse que Lemos já frequentou o coworking, mas não tem ido mais.
O empresário Leonardo Lemos nasceu em Brasília, no Distrito Federal. Conforme dados da Junta Comercial de São Paulo, em agosto de 2019, ele abriu uma empresa de transporte rodoviário de carga na capital paulista, a Millennium 1000 Transportes Internacionais Importação e Exportação. Lemos saiu da sociedade da Millennium em fevereiro deste ano.
Antes de se envolver com Eduardo Bolsonaro, Leonardo Lemos também trabalhou em uma empresa com atividades e nome semelhante à sua firma atual, a Omni Word Trade – sem o “S”. Registrada em Boston, no estado de Massachusetts, ela foi criada em 2011 e encerrada em junho de 2015.
A empresa anunciava comercializar ouro em barra e pó de ouro “sem certificado”, além de açúcar, café, algodão, cacau, soja, farinha e óleo, mas os negócios não deram certo, segundo uma pessoa ligada à empresa que pediu anonimato. “O negócio nunca foi pra frente e nunca fechou nenhuma transação”, disse.
Os aliados de Eduardo ligados à Omni no Brasil
O site da Omni World Trade informava dois endereços da empresa. Nos EUA, o apartamento em Sunny Isles Beach. Já no Brasil, um imóvel no condomínio Alphaville em Santana de Parnaíba (SP), que pertence ao presidente do Partido Liberal (PL) na cidade, Leandro Monteiro, e sua esposa. Após a Pública visitar o local, no entanto, os endereços foram apagados da página e menos de dez dias depois, a Braz Global deixou de ser administradora da Omni.
Endereços registrados no site da Omni foram apagados após visita da Pública ao imóvel em Santana de Parnaíba, São Paulo
A reportagem foi até o endereço em Santana de Parnaíba em 19 de julho. O porteiro do condomínio ligou para o número da casa que consta no site da Omni e Leandro Monteiro atendeu. Ele disse não existir nenhuma empresa no local e que ali era uma residência. Retornamos uma hora e meia depois. Dessa vez, quem atendeu a ligação foi a esposa de Leandro. Ela afirmou que o marido entraria em contato, o que não ocorreu até o fechamento da reportagem.
Documentos oficiais mostram que Leandro Monteiro é dono do imóvel indicado como endereço da Omni no site da empresa
Leandro filiou-se ao PL em 24 de maio deste ano. Na ocasião, ele compartilhou uma foto com Eduardo Bolsonaro: “Agora é oficial! Filiado ao PL 22. Honrado em ter a ficha de filiação abonada pelo Deputado Federal Eduardo Bolsonaro … demonstração de força e apoio político!!”, escreveu no Facebook no dia.
Empresário, Leandro Monteiro tem experiência na área de exportação e importação, na qual a Omni World Trades e a Braz Global Holding agora se inserem. Em 2016, ele criou a Lemon Holding, um grupo que trabalha principalmente com comércio e distribuição de produtos alimentícios e possui várias outras empresas. Atualmente, ele é sócio de três delas: Lemon Representacao Ltda, Lemon Distribuidora Ltda E Lemon Distribuidora ABC Ltda, mas todas estão inaptas, conforme dados da Receita Federal.
Mais recentemente, em entrevista à TV Osasco em 27 de junho, Monteiro disse que se uniu ao PL depois de receber “o convite do próprio presidente Bolsonaro, do Eduardo Bolsonaro, [e] do presidente nacional do PL”. “É óbvio que [existe] a identificação com o presidente Bolsonaro, com a família Bolsonaro, com a forma de gestão que o presidente Bolsonaro fez esses quatro anos no Brasil”, acrescentou.
Além do evento de filiação, ele e Eduardo se encontraram publicamente pelo menos duas vezes neste ano: em 18 de maio, numa reunião do PL em São Paulo; e em 18 de abril, quando Monteiro foi ao gabinete do deputado em Brasília. “Recebendo em meu gabinete Leandro Monteiro, empresário com muita disposição em melhorar Santana de Parnaíba-SP”, publicou o parlamentar nas suas redes sociais. “Início de um grande projeto!!”, comemorou Monteiro ao compartilhar a postagem em suas redes. Os dois nunca falaram sobre a relação profissional que mantêm nem responderam às perguntas da reportagem.
Outro aliado de Eduardo Bolsonaro no Brasil conectado à Omni World Trades é o publicitário Floriano Amorim. Em 13 de junho deste ano, ele foi responsável por criar um certificado de segurança no site oficial da companhia. Só é possível encontrar a relação de Amorim com o site no histórico da página, já que a página foi criada com nome de registro privado e permanece como tal.
Assim como no caso de Monteiro, não há menção pública da relação de Amorim com a Omni, mas sua relação com Eduardo Bolsonaro está documentada. Ele foi assessor do deputado na Câmara dos Deputados entre os anos de 2015 a 2019, e em 2022, além de ex-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom).
Durante a campanha eleitoral, Eduardo Bolsonaro e Floriano Amorim propagaram fake news a respeito do Kit Gay, associando-o ao PT. Ambos publicaram a mensagem simultaneamente nas suas contas do Instagram, mas a postagem conjunta foi removida por ferir as normas da plataforma.
Em 2021, o nome de Floriano Amorim apareceu nas investigações do Inquérito dos Atos Antidemocráticos, do Supremo Tribunal Federal. De acordo com a Polícia Federal (PF), ele teria sido apresentado por Eduardo Bolsonaro ao blogueiro Allan dos Santos, que considerava a Secom importante “para os objetivos do canal Terça Livre”.
As mensagens acessadas pela PF indicam ainda que Santos e Amorim teriam marcado encontros presenciais — um deles no gabinete do deputado federal — e trocado mensagens e ligações para discutir as propostas do blogueiro, como a de ter um programa semanal na TV Brasil. Em depoimento, Eduardo Bolsonaro negou ter discutido os projetos de Allan dos Santos com o então chefe da Secom.
O projeto Mercenários Digitais já mostrou que o blogueiro, atualmente foragido da justiça brasileira, abriu uma empresa e criou um novo Terça Livre nos Estados Unidos.
Floriano Amorim também contou com o apoio de Eduardo Bolsonaro durante as últimas eleições, quando foi candidato a deputado distrital pelo PL. Para sua campanha, recebeu R$ 120 mil do Fundo Partidário. Não se elegeu, mas virou suplente de deputado.
Em 22 de setembro do ano passado, o filho 03 do ex-presidente Jair Bolsonaro promoveu uma live com o ex-funcionário. A live fazia parte de um projeto do deputado, no qual ele chamava alguns aliados políticos a encontros online para divulgar seus projetos e candidaturas.
Além disso, em 24 de maio do último ano, eles visitaram juntos uma creche na periferia do Distrito Federal. Eduardo Bolsonaro fez questão de registrar em suas publicações que se tratou de uma demanda levada a ele pelo ex-assessor.
Mesmo com o apoio e com a verba do fundo partidário, Amorim não se elegeu: obteve apenas 2.065 votos.
A reportagem entrou em contato com a advogada do deputado Eduardo Bolsonaro, que afirmou que buscaria as informações, mas não retornou. Também enviamos questionamentos por email ou redes sociais para Leandro Monteiro, Floriano Amorim e Leonardo Lemos, mas não recebemos resposta.
Originalmente publicado em Agência Pública
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