Na manifestação “Unite the Right” do último fim de semana, em Charlottesville, Virgínia, era esperado verem-se bandeiras do confederados. Afinal, o intento declarado dos organizadores era protestar contra a retirada da estátua do general Robert E. Lee, que na Guerra Civil Americana (1861-1865) comandou as tropas do Sul em sua luta para se separar do restante dos Estados Unidos e manter a escravidão.
No entanto, além de supremacistas brancos e nacionalistas, a passeata que terminou em violência e morte também atraiu grupos neonazistas, que se apresentaram com suásticas, palavras de ordem antissemitas e camisetas ostentando os dizeres “Blood and Soil” (Sangue e solo).
A Alemanha foi o palco da ascensão e queda do Partido Nacional-Socialista (NSDAP) de Adolf Hitler, mas a ideologia nazista está viva e saudável nos Estados Unidos.
Velhos laços transatlânticos
Para explicar o fenômeno atual, Federico Finchelstein, especialista em história do fascismo transatlântico na universidade nova-iorquina de pesquisa The New School, lembra os fortes laços históricos entre os nazistas dos dois países, que remontam a antes da ascensão do partido na Alemanha.
Já no início do século 20, o NSDAP expressava admiração pela política americana racista e segregacionista, tendo modelado suas Leis de Nurembergue na Legislação Jim Crow, que normatizava a segregação racial pública no Sul dos EUA.
O próprio Hitler admirava as histórias do autor alemão Karl May sobre o faroeste americano. “A ideia dele é que os EUA eram um exemplo de conquista ariana”, observa Finchelstein. Essa crença do líder nazista se reflete no fato de muitos neonazistas se autoperceberem como herdeiros do legado ariano.
Numerosos movimentos neonazistas nasceram e se extinguiram durante e após a Segunda Guerra Mundial. Entre eles, o German American Bund na década de 1930, o American Nazi Party, em 1959, e a National Alliance, fundada por William Pierce em 1974.
A organização não lucrativa Southern Poverty Law Center, que rastreia crimes de ódio nos EUA, registra atualmente a existência no país de 99 grupos neonazistas – baseados na admiração a Hitler e na percepção dos judeus como seu inimigo primário. Vários deles participaram da manifestação em Charlottesville.
Suásticas, runas e mais além
Na cidade do sudeste americano, os grupos neonazistas ostentaram símbolos nazistas, inclusive a infame cruz suástica, usada por Hitler como principal distintivo de seu partido. Viram-se também outros emblemas, como a runa pré-romana Othala: símbolo favorito do NSDAP por um período, ela foi adotada pelo National Socialist Movement of America em novembro de 2016.
Viu-se também o Sol Negro (Sonnenrad), escolhido pelo líder nazista e comandante da tropa paramilitar SS Heinrich Himmler. Alguns ativistas de extrema direita vieram portando capacetes de aço no estilo da era nazista e com armamento paramilitar completo.
Na opinião de Finchelstein, a sugestão de violência evoca ideologias fascistas como o nazismo. Ele enfatiza que nos EUA há “perfeito entendimento” do que os símbolos nazistas significam, portanto os exibiam estavam conscientes das implicações.
“Sangue e solo” e antissemitismo
Tão presentes em Charlottesville quanto os emblemas visuais, eram as palavras com raízes no nazismo, escritas ou escandidas. Adeptos do movimento Vanguard America trajavam camisetas com seu slogan “Blood and Soil”, que também entoavam em voz alta. Trata-se da tradução do alemão “Blut und Boden”, resumindo a ideia dos nazistas de que a pureza racial se baseia na descendência sanguínea e na terra.
Outros extremistas de direita eram membros dos 31 “clubes do livro” do Troll Army (exército de trolls) fundado pelo diário The Daily Stormer. A publicação digital inspira seu nome no jornal de propaganda nazista Der Stürmer, fundado por Julius Streicher em 1923, que postulava a exterminação dos judeus.
No decorrer da passeata, os sentimentos antissemitas ficaram mais explícitos, com manifestantes neonazistas bradando “Judeus não vão tomar nosso lugar”, e pelo menos um manifestante nacionalista branco, gravado em vídeo pelo jornal The Washington Post, declarando que sua meta era “matar judeus”.
Ligações atuais com a Alemanha
Enquanto os laços históricos e ideológicos entre os movimentos neonazistas dos EUA e da Alemanha estão bem documentados, é menos comprovável o grau atual de conexão concreta entre organizações ultradireitistas dos dois países. A maioria das conexões se situa na área nebulosa dos grupos de extrema direita que negam as missões neonazistas, embora empregando elementos da ideologia.
O fundador da National Alliance, William Pierce, morto em 2002, “se movia com frequência nos círculos do NPD [o neonazista Partido Nacional-Democrata da Alemanha] e falou em suas reuniões”, conta Thomas Drumke, especialista em extremismo de direita nos EUA pelo Colégio Técnico de Administração Pública.
Ele acrescenta que Richard Spencer, um dos líderes da Direita Alternativa (Alt Right), “mantém laços muito próximos com os identitários” da Europa. Ambos negam ser neonazistas, afirmando querer preservar a identidade dos brancos. Alt Right é um eufemismo publicitário reunindo grupos principalmente da extrema direita, nacionalismo e supremacia branca dos Estados Unidos.
Spencer fez manchetes em novembro de 2016, quando, numa reunião do movimento, reciclou o hitlerista “Sieg Heil” para saudar o presidente eleito dos EUA com “Salve [hail] Trump, salve nosso povo, salve a vitória!”, e foi aclamado pelos braços direitos estendidos da plateia, na famigerada saudação nazista.
O mentor da Alt Right também discursou na passeata de Charlottesville, da qual participou, igualmente, o grupo Identity EVROPA, inspirado nos identitários europeus.
Numa outra conexão transatlântica atual, o think tank alemão de “nova direita” Institut für Staatspolitik, sediado em Schnellroda, Saxônia-Anhalt, convidou o líder supremacista branco Jack Donovan para falar numa conferência em fevereiro de 2017. Entre os demais convidados da organização, que advoga o abandono da moderna democracia liberal, estão figuras do NPD, do partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) e do movimento identitário.
Texto publicado originalmente no site DW.