Publicado no Blog do Moisés Mendes
Quem estiver distante do que acontece na Bolívia estará distanciado da compreensão das possibilidades e consequências de um golpe no Brasil. O que acontece na Bolívia é muito interessante e educativo.
Havia uma preocupação generalizada, dentro e fora da Bolívia, com a hipótese de um acordo nacional produzir uma espécie de trégua que deixasse impunes golpistas, assassinos e todos os que pegaram carona no golpe de novembro de 2019. Não aconteceu.
Golpistas e mandantes e executores de crimes (foram mais de 20 assassinatos) estão sendo enquadrados pelo Ministério Público e pela Justiça. Para que não se repita lá o que aconteceu no Brasil, onde ditadores e torturadores estão impunes até hoje.
Golpistas civis e militares estão sendo presos preventivamente, e as investigações avançam. Esta semana, um caso emblemático de violência começou a ser finalmente resolvido.
Será feita reparação a então prefeita de Vinto, cidade do departamento de Cochabamba, Patricia Arce, que teve sua imagem divulgada em todo o mundo.
Patricia foi mostrada em vídeos e fotos sendo arrastada pelas ruas da cidade, com os pés descalços, com cabelos cortados e o corpo pintado de vermelho.
Foi no dia 6 de novembro de 2019, quatro dias antes do golpe que derrubou Evo Morales. A prefeita foi espancada durante quatro horas, até que polícia aparecesse. Porque a polícia era parte do golpe.
Um inquérito foi engavetado pelo Ministério Público em 2020. Nunca puniram os autores das agressões, mesmo que todos soubessem quem eram.
O Movimento ao Socialismo, ao qual Patrícia pertence, voltou ao governo em novembro do ano passado, pelo voto. Patricia foi eleita senadora. E a promotoria pediu a reabertura do inquérito.
Esta semana, com a ajuda de testemunhas e de depoimentos da própria Patricia, foram denunciados pelo menos 20 agressores. Não eram, como se supunha de longe, participantes avulsos de uma turba que se reuniu ao acaso e atacou a prefeitura e torturou a prefeita.
Era integrantes de uma gangue, o grupo milicianos de extrema direita Resistencia Juvenil Cochala (RJC), de Cochabamba. Foi um ataque articulado. O líder do grupo, Yassir Molina, teve prisão preventiva decretada esta semana e está foragido.
A RJC é formada por gente de todas as classes e idades que espalham o terror andando em grupo em motos, todos encapuzados (há nesse blog um texto sobre o grupo, publicado no dia 31 de março).
Os nomes e os endereços dos bandidos na verdade estão sendo reapresentados ao Ministério Público. Todos estavam acobertados por promotores e juízes cúmplices do golpe que durou um ano.
São muitas as lições que aprendemos com a Bolívia, se prestarmos atenção no que se passa por lá. A primeira: sem resistência popular, a democracia nunca será restabelecida. Os jovens, os povos indígenas e as mulheres puxaram a reação ao golpe.
A segunda: é possível retomar, através do voto, o poder usurpado por um golpe aplicado com a bênção da Organização dos Estados Americanos. E terceiro: não haverá reparação se os golpistas e os criminosos que desfrutaram do golpe ficarem impunes.
Patrícia Arce é senadora, e Jeanine Añez, a golpista que sentou na cadeira de Evo Morales por um ano, está presa.