Por Lejeune Mirhan*
No último dia 12 de abril de 2021, ocorreram duas eleições em países da nossa América do Sul. Uma delas no Equador, em segundo turno, onde recebemos uma notícia péssima. O povo perdeu para um banqueiro neoliberal. E no Peru, em primeiro turno, a notícia que nos chegou é boa, pois foi para o 2º turno, em primeiro lugar, um candidato dito “radical”, mas que não escondeu o seu programa muito popular. Ele é um líder sindical, Pedro Castilho, que liderou a maior greve de professores da história do Peru, recentemente. Ele não é um outsider. Comento aqui neste pequeno artigo, os resultado das duas eleições. Como marxista-leninista, dialético, devemos analisar e ver que lições podemos extrair para o Brasil, que estas eleições nos mandam. Elas nos mandam recados e, se não captarmos, não seremos dialéticos.
As eleições no Equador
Os candidatos que chegaram ao 2º turno foram o banqueiro e capitalista financeiro Guillermo Lasso, que obteve 4.652.399 (52,36%) e Andrés Araus (FCZ), 4.232.323 votos (47,64%). Uma diferença de apenas 4,72% – que na verdade é de apenas 2,36%, pois tirando esse percentual do que obteve mais e agregado ao segundo colocado chegaríamos a um empate – e em termos de votos foi de apenas 420.076.
No Equador o campo dito mais progressista, cometeu, vários erros graves. O primeiro deles foi sair dividido já no 1º turno. Um partido chamado Isquierda Democrática, através de seu presidente Xavier Hervas, que também se candidatou, passou a campanha inteira atacando mais o candidato popular Araus, do que o banqueiro. E como eles se posicionaram no 2º turno? Apoiaram o banqueiro. Assim, eles acabaram por cometer dois erros ao mesmo tempo: não se uniram já no 1º turno e apoiaram o banqueiro no 2º turno, igual tinha feito Marina Silva do REDE, com à Aécio, em 2014.
O outro problema é com relação ao que ficou em terceiro lugar, Yaku Pérez, que passou a campanha se apresentando como índio e ecossocialista. Rafael Correa, ex-presidente, diz que ele não é índio e não pretendo entrar no mérito disso, mas também não acho que seja ecossocialista. Está mais para eco-imperialista, porque, no 2º turno, ele também atacou mais o Andrés Araus do que o Lazzo. E, posicionou-se, junto com a Coordenação Andina de Organizações Indígenas-CONAI, que representa os indígenas equatorianos, pelo voto nulo. Boa parte da população do Equador é de etnia indígena. Um verdadeiro absurdo.
No Brasil, os partidos nanicos e alguns trotskistas, sempre chamam o voto nulo. Mas nada acontece porque o eleitorado não lhes dá ouvidos. O Brasil tem 80 mil vereadores e os quatro partidos nanicos de ultraesquerda não elegem nenhum. Somados os votos nominais e de legenda dos quatro nanicos (PCB, PCO, PSTU e UP) atingiram 64 mil votos ou 0,06% dos votos válidos em 2020. Diferente do Equador.
No Equador, no 1º turno foram registrados um milhão de votos nulos. E, no 2º turno, esse número saltou para 1,6 milhão. A diferença entre os dois candidatos foi de apenas 420 mil votos. Quando falamos em 420 mil, estamos falando de 210 mil. Quando tiramos 210 mil de lá, e acrescemos 210 mil aqui, nós ganharíamos a eleição. Portanto, num universo de 600 mil votos nulos – que ocorreram pela pregação de forças políticas –, se apenas 1/3 dessas pessoas votassem no candidato popular e progressista, nós teríamos vencido.
Qual lição que devemos extrair dessa eleição equatoriana? Que deveríamos ter construído a unidade já no 1º turno. Com quem? Com todo o campo progressista, e devemos deixar de usar a palavra “esquerda”. Esse campo progressista tem que ser liderado pela esquerda. No caso do Brasil, Lula é o que tem condições de unificar e aglutinar, ainda que jamais conseguirá aglutinar a todos.
Devemos unificar todo o campo progressista já no 1º turno e não deixar para o 2º. Há partidos no 2º turno que, possivelmente, não apoiariam uma candidatura progressista, ou chamariam o voto nulo ou, no limite, apoiariam o candidato conservador.
Eleições no Peru
Esta eleição também nos chamou a atenção. Ela foi parecida com a nossa em 1989, a que teve maior número de candidatos a presidente, da nossa história: 22. De 1945 até 1960, um período relativamente democrático no Brasil, sempre tivemos no máximo quatro candidatos. Depois da redemocratização, excetuando 1989, o número de candidatos sempre ficou entre 10 ou 12.
No Peru, guardando as devidas proporções, eles lançaram 18 candidatos. O mais votado, Pedro Castillo (Partido Peru Libre), de esquerda, foi para o 2º turno com 19,07% e a segunda colocada, Keiko Fujimori (Partido Fuerza Popular), de extrema-direita, obteve 13,37% dos votos válidos. Houve uma pulverização dos votos, que alguns chamam de “atomização” de candidaturas, que por si só é um erro.
No Brasil nunca houve isso de um candidato ir ao segundo turno com menos que 20% dos votos válidos. FHC ganhou duas vezes já no 1º turno e Lula, Dilma e Haddad foram para o 2º turno com mais de 40%. Lula mesmo em 2002, quando ganhou pela primeira vez – depois de disputar três vezes anteriores –, quase levou no primeiro.
Em nosso país usamos o termo: “Brasil Profundo” para definir aqueles grotões do interior, que alguns chamam de “grotões”. Temos cidades no país que têm menos de mil habitantes. A menor cidade do país – de número 5.570 – tem apenas 776 habitantes, que é Serra da Saudade em Minas Gerais. Alguns desses municípios nem sequer sobreviveriam, não fossem os repasses dos impostos federais e estaduais, pois quase não têm arrecadação local. Mas, têm uma câmara municipal de vereadores, tem prefeito, vice e assessores. Esse Brasil Profundo, dificilmente vota no setor progressista. É muito raro que os partidos de esquerda vençam as eleições nessas cidades.
No Peru, podemos dizer que houve uma revolta desse “Peru Profundo”. Daqueles camponeses, que vivem entre as montanhas, a selva e o oceano. Há toda uma diferenciação de estilos e modos de vida. Houve então, esta reação.
Há uma segunda lição da qual precisaremos aprender muito. Os dois partidos comunistas mais fortes, são o PCML e o PCML Bandera Roja, que são muito mais à esquerda, apoiaram uma candidata chamada Verónika Mendoza (Partido Juntos pelo Peru) que chegou em 6º lugar (obteve 1.092.008 ou 7,8% dos votos válidos), não chegando nem perto de disputar o 2º turno. Qual a novidade? Ela fez um programa que flertava com o centro, o centro-direita e não criticava o modelo neoliberal, que é grave.
A grande lição que devemos tirar é que nós não podemos cometer estes mesmos erros no Brasil. O Lula, como já dissemos várias vezes, e entendam que não sou Lulista, mas que o apoio, o que é diferente. E há milhões iguais a mim. Se só os lulistas e petistas o apoiarem ele não ganha a eleição, de forma que é preciso ampliar.
Só Lula consegue unificar toda a esquerda, mas não pode fazer um programa que não conteste o modelo neoliberal, que já está sendo contestado no mundo inteiro. Basta ver o pacote de ajuda financeira aprovado por John Biden: dois trilhões no início do mandato e agora, cinco trilhões de dólares por causa da pandemia, totalizando sete trilhões. Isso joga por terra todo o argumento neoliberal de que o Estado não deve interferir na economia. A diferença entre eles e nós, é que eles imprimem a moeda que é aceita no mundo inteiro, que é o dólar.
Para lembrar, 13 anos atrás, quando da crise de 2008, quando quebrou o Banco Lehman Brothers, City Bank, a General Motors, a maior empresa do mundo, que já teve um milhão de empregados (hoje com pouco mais de 200 mil). Naquela ocasião, o que fez o governo de George Bush? Comprou 505 das ações do City Bank e da GM, tornando-os empresas públicas. É bem provável que eles já tenham vendido essas ações.
Quanto que Bush filho, antes da eleição de Obama em novembro desse ano, deu – a fundo perdido – para ajudar o povo pobre, as pequenas, médias e grandes empresas? Ínfimos 800 bilhões de dólares. O Biden colocou sete trilhões de dólares na economia. Aqui, nós gastamos uma miséria, um valor ínfimo, comparado ao orçamento federal do Brasil. Isto porque ainda vigora esta concepção. O presidente e seu ministro da Economia, têm a concepção de que não se deve gastar com o povo mais pobre, com a questão social.
Lula costuma dizer que não é por falta de programa que a esquerda brasileira vai deixar de se unificar. Ele tem razão. Cada partido no Brasil tem uma Fundação de Estudos que trabalha com um orçamento equivalente a 20% do orçamento que o partido recebe do Fundo Partidário. Um partido como o PSL, por exemplo, que elegeu a segunda maior bancada federal, recebeu R$ 100 milhões. Quantas empresas têm este faturamento? Poucas. Essas fundações financiam pesquisas, publicam livros, organizam cursos de formação.
As cinco fundações dos partidos de esquerda (PCdoB, PSB, PT, PDT, PSOL) se reúnem periodicamente e em pelo menos duas vezes nos últimos anos, fizeram um programa unificado. Imagine que não vamos achar 100 pontos em que todos os cinco partidos não concordem. É o chamado programa mínimo. Porque, se for o programa máximo, será daquele partido, então não seria uma aliança. Cada um tem que ceder um pouco. Aliás, os pontos que unificam a todos, formam um lindo programa para o Brasil. Constam desenvolvimento com valorização do trabalho, soberania nacional, algumas estatizações, integração latino-americano, diminuição da desigualdade etc.
Mas, temos que extrair uma lição do caso das eleições no Peru. Será que Lula flertará com o programa neoliberal, como fez em 22 de junho de 2002, quando lançou uma “Carta aos Brasileiros”? Isso significava um sinal que o PT estava dando para a sociedade, de que não iria quebrar nenhum contrato, sobretudo, honrar o pagamento dos juros da dívida interna. Não digo que Lula não faça isto novamente. Até pode e deve falar que vai honrar contratos. Romper contratos, mesmo em uma relação privada, não é fácil.
Vejamos o exemplo da Companhia Vale do Rio Doce, que foi privatizada por FHC, à época por apenas três bilhões de reais que era seu faturamento de um único ano. Hoje deve ser muito mais. A pergunta na época, que nós fazíamos era: Quanto vale a Vale? E o seu subsolo? Privatizar no caso da Vale não era entregar as instalações, as máquinas, as suas ferrovias. E o subsolo? Foi tudo junto. Hoje a Vale explora riquezas que pertencem ao povo brasileiro. Portanto, é incalculável o valor da Vale.
Para quebrar esse contrato e reestatizar a empresa, há toda uma discussão que envolve mobilização popular e não é uma questão simples. Isto poderia até figurar em um programa mais avançado. Além disso temos que deixar claro uma coisa: nós vamos reverter todas as maldades contra o povo, cometidas pelos governos nos últimos cinco anos. É o que Biden está fazendo nos Estados Unidos, desmontando as maldades cometidas pelo Trump. Ele assinou dezenas de Ordens Executivas, equivalentes a decretos federais por aqui, todos os dias.
Devemos também fazer isto. Se pudermos detalhar, por exemplo, a Lei número tal aprovada pelo Congresso Nacional acabando com a CLT, devemos dizer isso claramente. No nosso programa tem que constar: “revogar a lei nº 13.467 da Reforma da Previdência por exemplo. Se pudermos chegar a esse detalhamento será muito importante. Será que entre nós, teremos força para fazer constar isto no programa unificado do nosso candidato das forças progressistas?
Finalizo sobre as duas eleições. No 2º turno, no Peru, todos estão apoiando Pedro Castillo (PPL), em cujo programa eles se dizem marxista-leninista-mariateguista (1). Mariátegui foi um teórico do começo do século XX, muito famoso na América Latina, um Simon Bolivar muito mais à esquerda.
As eleições peruanas e equatorianas, de fato, mandaram muitos sinais para todos os e as lutadoras dos povos latino-americanos. E devemos extrair lições dessas eleições, para que não cometamos por aqui os mesmos erros que eles cometeram por lá. Não podemos correr o risco de vermos em um abismo político e econômico em que o nosso amado Brasil está mergulhado. A ver.
Notas
(1) José Carlos Mariátegui La Chira nasceu em Moquegua em 14 de junho de 1894 vindo a falecer em 16 de abril de 1930. Foi um escritor, jornalista, sociólogo e ativista político peruano, tendo sido um autodidata que se destacou como um dos primeiros e mais influentes pensadores do marxismo latino-americano no século XX. Maiores informações sobre ele veja aqui: <https://bit.ly/3afWRY2>. Sua obra-prima é a coleção de ensaios Siete ensayos de interpretación de la realidad peruana publicada em 1928. Escreveu também Sete Ensaios Interpretativos sobre a Realidade Peruana e La escena contemporânea.
* Sociólogo, professor universitário (aposentado) de Sociologia e Ciência Política, escritor e autor de 14 livros, é também pesquisador e ensaísta. Atualmente exerce a função de analista internacional, sendo comentarista da TV dos Trabalhadores, da TV 247, da TV DCM, dos canais Outro lado da notícia, Iaras & Pagus, Rogério Matuck, Contraponto, Democracia no ar, Conexões, todos por streaming no YouTube. Publica artigos e ensaios nos portais Vermelho, Grabois, Brasil 247, DCM, Outro lado da notícia, Vozes Livres, Oriente Mídia e Vai Ali.