O governo interino argumentou que os sites de jornalismo da mídia independente não são de interesse público, nem produzem conteúdo jornalístico relevante.
Foi essa a justificativa para quebrar contratos de publicidade estatal com esses sites, e concentrar os investimentos em revistas como a Veja.
Fui tomado assim por certa curiosidade mórbida e acessei o site da Veja, para quem sabe aprender um pouco sobre o que seja “conteúdo jornalístico relevante” e “interesse público”, na visão do interino.
O que encontrei foi a mais perfeita confirmação da máxima de Pulitzer: “Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma”.
O top 5 das matérias mais lidas no dia tem algo de trágico para um veículo que um dia já teve sua relevância. Um mix de fuxico sobre a vida de celebridades, maledicências e sensacionalismo político.
Declarações românticas de Carlos Alberto de Nóbrega e Kristen Stewart ocupam as duas primeiras posições. E não são nem matérias exclusivas, mas requentadas de programas como o TV Fama, de Nelson Rubens, e da revista de amenidades Elle.
Na terceira posição, sensacionalismo barato a repercutir barracos em um reality show da tevê.
Em quarto, uma matéria sobre animais morrendo nos zoológicos da Venezuela. Numa abordagem que serve apenas para atiçar o ódio contra bolivarianos, comunistas ou petralhas venezuelanos, e que por isso chegou às mais lidas.
Fechando o top 5, uma notícia sobre um petista investigado, candidato à prefeitura de Recife, que certamente a maioria dos leitores de Veja sequer conhece, mas compartilha por ser um petista investigado.
É difícil imaginar um retrato mais claro do “interesse público” na revista. De um público que em geral se interessa em primeiro e segundo lugar pela vida das celebridades, que sonha em ser rico e glamuroso como elas, e vê no comunismo bolivariano petralha o seu maior inimigo.
Um púbico que não se interessa por política, que a consome somente na forma de escândalos. E que com Temer na presidência pode voltar a dizer que política não se discute, que isso não é interesse público, desde que impere o conservadorismo.
Um público para quem a vida em sociedade é muito simples: basta trabalhar e não pensar em crise. Confiar em Deus e no livre mercado para prosperar e dormir tranquilo. Quem sabe sonhar com uma viagem à Disney ou com domésticas uniformizadas servindo fartos cafés da manhã, como na novela.
Um público que entre um brioche e outro, discute a vida amorosa do apresentador de A Praça É Nossa. Que exercita mesóclises, lê a Veja e sai para trabalhar com a certeza de que tudo agora está em ordem. Ordem e progresso.