Publicado originalmente na DW.
O dia seguinte à noite de abertura já passou, mas continuam os comentários sobre o discurso do escritor mineiro Luiz Ruffato como porta-voz do convidado de honra da Feira do Livro de Frankfurt, o Brasil. Ele usou expressões duras ao falar das desigualdades sociais em seu país, o que, para muitos, foi um exagero.
Neste quinta-feira (10/10), segundo dia da maior feira literária do mundo, Ruffato falou à DW sobre a intenção de suas palavras e a surpresa causada pelas reações agressivas, grande parte chegada do Brasil através das redes sociais.
DW: Que tipo de reação você esperava para o seu discurso de abertura?
Luiz Ruffato: Eu esperava que as pessoas compreendessem o que eu estava falando, que eu não fiz nenhuma crítica ao governo ou a ninguém. Eu só tracei um retrato da sociedade brasileira. Eu vivo nesse país e sei o quanto esse retrato é desagradável, mas é uma declaração de quem ama profundamente o Brasil e quer que ele melhore.
Acho perfeitas as reações de discordância, mas fiquei espantado com as agressões. Há muitas na internet, e aqui mesmo, na feira, quase fui agredido fisicamente por brasileiros.
Mas aqui na feira, grande parte das reações foi positiva. Agora mesmo alguém acabou de passar e te elogiar. De onde vêm as críticas negativas, então?
Um pouco daqui, mas a maioria vem do Brasil, infelizmente. Principalmente das redes sociais. Há críticas muito pesadas.
O que as pessoas argumentam quando te criticam dessa maneira?
Que eu estou falando mal do Brasil para os alemães e para o mundo. Não estou falando mal, estou apenas mostrando um retrato que me parece ser realista. As pessoas não aceitam esse retrato, não aceitam se olhar no espelho.
Você mesmo reconheceu no discurso que houve melhoras no Brasil…
Não há dúvidas. Eu votei no PT e não tenho nenhuma duvida de que o país é hoje muito melhor do que há 40, 50 anos. Mas estar melhor do que antes não significa estar bom. Minhas críticas são exatamente no sentido de propor uma reflexão para que melhoremos ainda mais.
Quando você recebeu a missão de ser um dos oradores brasileiros na cerimônia de abertura, por que decidiu focar mais na realidade do país do que na literatura?
Eu não acho que eu tenha focado menos na literatura. Para mim a literatura é um espelho da sociedade, uma representação da sociedade, portanto, ela é política. Não me foi feita nenhuma recomendação para o discurso, me deixaram absolutamente à vontade para falar o que eu quisesse. E, em momento algum, tive qualquer intenção de desagradar, ofender ou causar um desconforto para quem quer que seja. O desconforto era todo meu, porque eu tinha que falar do meu país que amo, mas tinha que mostrar como ele é.
Você acredita que toda essa polemica terá algum impacto em sua carreira de escritor?
Eu não sei. E não disse que o que eu falei está certo ou errado, mas queria que as pessoas pensassem a respeito e que houvesse uma discussão, porém, uma discussão civilizada.
Esse tipo de provocação política e a realidade brasileira estão presentes em seus livros também, certo?
Não somente nos meus livros. Em todos os lugares que falei dentro e fora do Brasil, eu disse a mesma coisa. Nunca falei nada de diferente, só que nunca fui ouvido. E vou repetir, até que o país melhore. O dia em que o Brasil melhorar, não falarei mais nada disso.