CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS:
# uma habilidade incrível no uso de computador. É o que se define, tecnicamente, como hacker.
# uma revolta tão forte na alma que faz querer “esmagar os filhos da puta”. Basicamente, governos e grandes corporações.
# sede de vingança contra o “mal”.
# uma notável capacidade de transformar planos em ações concretas.
# corte de cabelo exótico, pós-moderno, em que uma mecha longa cai, caprichosa, num dos olhos como uma semifranja à espera de tesoura.
Lisbeth Salander, a personagem-sensação de Stieg Larsson, o jornalista sueco morto pouco antes da publicação do maior fenômeno de vendas na literatura dos últimos anos, a Trilogia Millennium?
Não.
Julian Assange, o editor e cofundador do WikiLeaks, o misterioso site que conquistou notoriedade mundial instantânea ao divulgar em abril de 2010 vídeos que mostram o ataque de dois helicópteros Apaches do exército americano a um grupo de pessoas que caminhavam pelas ruas de Bagdá em julho de 2007. No grupo estavam dois funcionários da Reuters: um fotógrafo de 22 anos, cuja câmara foi confundida com uma arma poderosa, e seu assistente.
Ainda em 2010, o vazamento pelo Wikileaks de mais de 250 000 telegramas diplomáticos americanos deu a Assange status de maior nome do jornalismo em muitos anos. Sua saga pessoal dramatizou-se, e ganhou manchetes no mundo, com o processo movido por duas suecas por alegados abusos sexuais.
Assange combina elementos do jornalismo investigativo com recursos de alta tecnologia em sua missão. É um paranóico justificado: muita gente gostaria que ele não tivesse nascido, e faria o possível para reparar esse engano.
Lisbeth Salander é uma alma gêmea de Assange.
Como Salander, Assange se move na sombra.
Como Salander, inspira medo, desejo de retaliação e respeito: um guro americano da tecnologia disse que o WikiLeaks deu mais furo em seus poucos anos de existência que o Washington Post nos últimos 30.
Salander virou uma heroína improvável da literatura policial.
Assange virou um herói improvável do jornalismo investigativo.
Cada qual de uma forma, ambos trazem para o jornalismo na Era Digital uma questão fascinante: as redações do futuro terão que acomodar hackers para serem competitivas nos grandes furos?
Meu palpite é que sim.
As redações enfrentarão o desafio de atraí-los. Para isso, terão que transmitir a percepção de que estão genuinamente empenhadas na busca de — para usar palavras de Assange — “um mundo mais justo”.