Na segunda temporada de True Detective, Collin Farrell faz uma das mais complexas e cativantes atuações de sua carreira. Na tentativa quase impossível de manter o brilho da primeira fase da série, estrelada por Matthew McConaughey e Woody Harrelson, Nic Pizzolatto, criador e escritor de True Detective, chegou com uma nova história, cenário e elenco. Até agora, os altos índices de audiência provam que os telespectadores continuam hipnotizados pelo mundo sombrio e existencialmente confuso que Pizzolatto revela.
Cabe agora a Farrell, no papel de Ray Velcoro – um policial quebrado e corrupto de Los Angeles tentando sobreviver no covil de corrupção que se tornou sua vida cotidiana –, carregar o fardo ao lado de outras estrelas como Vince Vaughn, no papel do criminoso de colarinho branco Frank Semyon, e Rachel McAdams, como a policial Ani Bezzerides. Dado que True Detective 2.0 pode mudar a percepção do público e da crítica de Colin Farrell da mesma forma que a primeira temporada forçou uma reavaliação crítica de McConaughey, o que Farrell pensa de sua primeira incursão nas séries para TVs?
“Tem sido uma das mais importantes experiências da minha carreira”, diz Farrell. “Nic (Pizzolatto) é um escritor extraordinário, que deve visitar lugares muito sombrios para criar um material de tamanha intensidade. Mas depois de uma experiência dessas, você se sente como se pudesse encarar qualquer coisa”.
Aos 39 anos, Farrell está retomando uma carreira notável. Aos 20, estourou no cinema e imediatamente se estabeleceu. Mas, depois de uma série de bons filmes, o caça níqueis Miami Vice quase o matou por conta de três meses movido a drogas e álcool. Livre das drogas e sóbrio, jurou voltar às suas raízes e buscar os melhores papéis que pudesse encontrar, independentemente do cachê oferecido.
True Detectives deu a Farrell a oportunidade de mostrar seu rico e amplo talento como ator, em oposição ao galã de cinema. Nativo de Dublin, ele mora em Los Angeles com os dois filhos: James, de 11 anos, de sua relação com a modelo Kim Bordenave, e Henry, de 5, com a atriz polonesa Alicja Bachleda, com quem atuou em Odine (2009).
Colin, como você encara sua vida hoje em relação ao primeiro momento, quando estourou na cena hollywoodiana aos 20 anos de idade?
FARRELL: É como noite e dia. Cheguei em Los Angeles de Dublin e foi bem além do mero choque cultural. Trabalhava e ia a festas no estilo “24 horas” e não tinha tempo de pensar o que realmente estava acontecendo na minha vida. Fui pego nesse turbilhão no momento mais incrível da minha vida. Mas era também o tipo de vida que deixa, na maior parte do tempo, um vazio dentro de você.
Hoje, o aspecto mais doloroso do meu trabalho é o tempo que fico longe de casa e das crianças. Há muito não me sinto excitado com a ideia de trabalhar filme após filme e viver aquela vida intensa, hospedado nos melhores hotéis e não ter algo a que se dedicar no mundo. Sou um pai amoroso, que leva muito a sério minha responsabilidade, e completamente devotado a dar a meus filhos a melhor vida possível. Chega um momento e você percebe o que é real e em prol do que vale a pena viver. E são pelos seus filhos e amigos – ponto final.
Seu trabalho em True Detective talvez seja determinante na sua carreira. Como você vê seu personagem?
Vejo um homem fragmentado, lutando com seu passado. Ele se auto-extinguiu – um detetive cuja carreira está em curva descendente sem jamais ter chegado a algum lugar. O personagem de Vince Vaughn, um criminoso de colarinho branco, me mantém se ação por conta de informações que sabe a meu respeito, que se expostas acabarão comigo.
Então, meu personagem está preso nessa zona cinzenta, decadente, na qual ele gostaria de ser um homem melhor, mas enfrenta situações pesadas para escapar dos erros do passado e que os mantêm prisioneiro. O real poder da história está no confronto entre os personagens e seus demônios, e a luta para encontrar algum sentido e propósito em suas vidas. Ray está exatamente ali, no limite de tudo isso. É um dos melhores papéis que tive oportunidade de atuar em toda a minha carreira. Às vezes eu queria que ‘True Detective’ não fosse tão bom…
Você enfrentou momentos muito nebulosos em sua vida. Isso o ajudou a entender a forma como seu personagem parece perdido e à deriva?
Consegui entender seu senso de incapacidade para colocar sua vida no caminho certo. Nunca cheguei ao desespero de Ray – como ator, você não enfrenta aquelas escolhas difíceis que um policial enfrenta. Mas você reconhece aqueles dias solitários, quando uma série de coisas não fazem muito sentido e você se sente um tanto impotente. Ele gostaria de conseguir um lugar melhor, enterrar seu passado e mudar tudo em sua vida, mas é puxado para baixo por conta das más escolhas que fez no começo de sua carreira.
Quando decidiu se comprometer com True Detective, você se preocupou com os contrapontos que fariam das interpretações de Matthew McConaughey e Woody Harrelson, da primeira temporada?
Eu sabia muito bem o que estaria enfrentando. Quando anunciaram que haveria uma segunda temporada, minha primeira reação foi: “boa sorte para os atores que atuarão nela” (risos). Mas quando li o roteiro e vi o quão era brilhante, não fiquei realmente preocupado. Adorei o personagem, fui atraído por ele e todas as questões existenciais que ele enfrenta e as quais os outros personagens estão também ali engalfinhados.
Você se força a confrontar seus próprios demônios para incorporar um personagem como o de Ray?
Não me arrasto para as profundezas. Não acredito que seja preciso ser metódico a ponto de ficar acordado várias noites para parecer cansado. Sou muito bom em observar meus arredores e assimilar características e padrões de comportamento.
Normalmente adapto meu processo de atuação com a forma como o diretor gosta de trabalhar. Alguns querem que você ensaie por um mês e entram em cada detalhe da história e de seu personagem. Outros não querem discutir o personagem de forma alguma ou a psicologia por trás dele. Posso trabalhar em ambos os caminhos. Para mim, é excitante descobrir diferentes caminhos para chegar a um papel. Adoro atuar.
Você está também estrelando um complexo filme de autor, The Lobster. O que pensa da história?
Não me peça para explicar o filme (sorri). O diretor Yorgos Lanthimos e o co-roteirista Efthymis Filippou deixaram a história aberta às interpretações e não querem enfatizar uma ideia ou mensagem em particular. Isso é o que torna seus filmes tão atraentes e ao mesmo tempo perturbadores. Fiquei realmente mexido e desorientado com Dogtooth (o controvertido filme de Lanthimo de 2009) e essa foi a grande motivação para eu querer fazer parte de Lobster, porque tem aquela mesma sensação de mistério.
Você refez sua vida assim como refez a si mesmo como ator ao escolher filmes menores, porém mais intensos. Quais foram os altos e baixos?
Tenho tanta sorte de estar fazendo esse trabalho! Desde pequeno tenho sido um grande observador das pessoas. Sou muito curioso a respeito do comportamento humano e o que nos faz tão assim. Por que agimos da forma como agimos, como experimentamos a vida e tudo o mais. Os seres humanos são criaturas fascinantes, trágicas e hilárias. Os filmes nos quais atuo hoje são os que quis fazer quando ainda sonhava em me tornar um ator.
Mas meu início foi tão rápido em Hollywood. De repente estava trabalhando em grandes filmes e nunca tive a chance de atuar nesses filmes e papéis mais íntimos e intensos que me interessavam.
Hoje, onde quer que olhe por um novo projeto, quero ver se ele me oferece a possibilidade de explorar mais profundamente a condição humana e sua psicologia. É isso que mais me excita em um trabalho.
E o lado ruim do negócio?
Bem, aparte os paparazzi e o foco insano na sua vida privada, o mais doloroso para mim é ficar fora de casa e longe de meus filhos. Eu costumava adorar fazer um filme atrás do outro, mudando de uma cidade para outra, hospedado em hotéis palacianos. Você não precisa limpar o apartamento, tem serviço de quarto 24horas e sente essa liberdade que vem de poder passear pela vida.
Hoje prefiro muito mais passar o tempo com minha família e desfrutar do tipo de conforto que vem daí. Sempre amei família e hoje ela é mais importante como nunca. Vivo para meus meninos e desejo fazer a vida deles a mais bela possível. Isso vem com a responsabilidade que você sente como um pai. Até você ter filhos, é difícil entender o que isso realmente significa.
Sou muito cauteloso sobre entrar em alguma relação. Estou solteiro há cinco anos e, apesar de amar as mulheres, é difícil se envolver e colocar alguém nos holofotes por eu ser uma celebridade. Você se torna relutante em expor alguém a isso, a menos que esteja realmente apaixonado a ponto de ambos se disporem a lidar com a atenção que os rondará.