São para lá de obscuras as motivações e a autoria do assassinato do candidato direitista Fernando Villavicencio às eleições presidenciais equatorianas. Em contraste, as consequências parecem nítidas: embaralha-se a reta final da campanha presidencial, liderada por uma candidata de centroesquerda que bate nas pesquisas todos os postulantes conservadores.
UMA HIPÓTESE DE RESOLUÇÃO DO CRIME pode ser liminarmente descartada, por suas características quase anedóticas: a de que foi cometido por uma dúzia de encapuzados, protagonistas de um vídeo viral, com uma estética que combina Estado Islâmico com figurantes de filme de Indiana Jones. Com os fatos ainda quentes, assumiram a autoria do fuzilamento.
VILLAVICENCIO era um jornalista investigativo de 59 anos que construiu sua carreira na base de denúncias de corrupção e favorecimentos do Estado a particulares. Tinha especial gosto pelo escândalo, o que no Brasil corresponderia a um udenismo lavajatista. Nas últimas eleições presidenciais, há dois anos, apoiou o banqueiro e atual mandatário Guillermo Lasso.
COMO EM TODO CRIME ESPETACULAR, faltam respostas e sobram perguntas. A primeira delas é por que alguém mataria à luz do dia e de forma midiática um postulante sem chances que oscila entre o quarto e o quinto lugar nas sondagens de opinião? Ainda mais numa disputa em que a possibilidade de direitistas fazerem boa figura é reduzida.
LUÍSA GONZALEZ, APOIADA PELO EX-PRESIDENTE RAFAEL CORREA está à frente em todas os levantamentos, com uma média 26% de intenções de voto, seguida por Yaku Pérez, um liberal identitário que se apresenta como representante dos povos indígenas. Seu maior feito na vida pública foi ter dividido os votos progressistas nas eleições de 2021, possibilitando a vitória de Lasso.
NA SEQUÊNCIA, A DIREITA DOMINA. Com desempenhos variando entre a segunda e terceira posição, a depender do instituto de pesquisas, vem o milionário Otto Sonnenholzner, ex-vicepresidente de Lenin Moreno, antecessor de Gullermo Lasso. Em seguida desponta Jan Topic, uma espécie de Nabebe Bukele, presidente de El Salvador, local, a propagar sangue contra a criminalidade. Depois de Villavincenzi aparece Daniel Noboa, filho de Álvaro Noboa, magnata da banana e por muitos anos o homem mais rico do Equador.
IMEDIATAMENTE APÓS O CRIME, Gillermo Lasso decretou, com pompa e circunstância, Estado de exceção. De acordo com o artigo 165 da Constituição, durante sua vigência, o chefe de Estado poderá “suspender ou limitar o exercício do direito à inviolabilidade de domicílio, a inviolabilidade da correspondência, a liberdade de trânsito, a liberdade de associação e de reunião e à liberdade de informação”. Além dessas medidas, abre-se caminho para “prever a censura prévia da informação veiculada nos meios de comunicação social, (…) prever o recurso das Forças Armadas e da Polícia Nacional e (…) prever o fechamento (…)portos, aeroportos e fronteiras”.
OU SEJA, POR MAIS DRAMÁTICO QUE SEJA, o assassinato abre caminho não apenas para medidas arbitrárias, mas para que meios de comunicação tradicionais e virtuais criem uma comoção nacional para o embaralhamento das eleições.
LASSO FOI ELEITO EM 2021, mas nunca teve maioria parlamentar. Diante de vários pedidos de impeachment e de uma aprovação de apenas 10% da população, o presidente decidiu em maio último valer-se de uma medida constitucional que aproxima o país de um regime parlamentarista. Trata-se de dissolver a Assembleia Nacional e antecipar as eleições gerais, o que inclui a presidencial, prevista apenas para 2025. Um mês depois, diante da rejeição popular, desistiu de concorrer em favor do conservador que despontasse nas intenções de voto.
O EQUADOR TINHA ATÉ 2017, final do governo Correa, uma situação de segurança pública mais tranquila que a de outros países da América Latina. As administrações Lenin Moreno (2017-21) e Lasso (2021-23) acabaram, por omissão e desmonte de setores do Estado, em tornar o país rota dos grandes cartéis do narcotráfico colombiano e peruano. A brutalidade policial aumentou exponencialmente, num dos países mais devastados pela pandemia de Covid-19. O destino de Fernando Villavicencio também se conecta a essa situação.
OS DEZ DIAS QUE NOS SEPARAM do primeiro turno equatoriano não abalarão o mundo. Mas certamente impactarão – para mal ou para bem – a democracia no continente.
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