…e gostamos, mas foi como um bolo de chocolate sem cereja: faltou Take on Me
Morten Harket, cantor da banda de new wave A-Ha, começou o show com pontualidade britânica. Logo ele que é Norueguês. Fez um show bonito, cheio de músicas de seu novo álbum. Não são brilhantes, mas harmônica e melodicamente agradáveis – como são, de costume, suas composições.
Com a voz impecável, aparentemente idêntica à que tinha no começo de carreira profissional, só pode ter seguido uma receita parecida com a de Cauby Peixoto, que me contou há alguns anos nunca ter tomado uma bebida gelada sequer desde os vinte e poucos. Junkies nunca mantém a voz boa. O que não é nenhum demérito. O artista em processo de decomposição é lindo também. Mas não é o caso de Morten.
Também muito simpático com o público foi o norueguês. Fez dois bis. Deu autógrafos. Olhou o público no olho. Sabe ser um ídolo, se portar como tal, e ainda assim, não ser pedante. É charmoso sem rebolar demais, tem presença sem copiar o Mick Jagger.
É interessante ver como os artistas mais inteligentes, mesmo os de tamanha fama como Harket, se adaptam aos tempos. A banda era formada por ele e mais três pessoas. Só. Um baterista, um tecladista/computadorista, um guitarrista. E nos tempos de A-Ha, era apenas Morten e mais dois. Enquanto isso, em Terras Brazilis, tem gente tocando com mais de 10 músicos, vivendo de Sescs, que são os únicos que podem contratar artistas sem precisar de retorno financeiro. Mas isso é assunto para outro momento.
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De volta a Morten, o show estava relativamente cheio. Chuto umas 3,5 mil pessoas numa casa para 5 mil. Não é ruim. Se fosse o A-Ha completo, imagino que tivesse lotação esgotada, talvez com mais um dia de show.
Agora, houve um problema. E deixe-me começar dizendo que não julgo o artista. Ele pode fazer o que bem entender em seu show. O show é dele, o palco está ali para ele, as luzes apontadas para ele. Além de que só ele, como todos nós, sabe fazer as melhores escolhas para si mesmo.
Mas Harket não tocou Take On Me.
Não tocou no show, não tocou no primeiro bis, não tocou no segundo bis. Quando ele anunciou a última música, o público gritou por Take On Me, fazendo, pela única vez, Morten adotar uma feição constrangida. Não foi seu maior hit que ele tocou, de forma que o único grande sucesso da noite foi Stay On These Roads.
Então, à questão: o artista deve ou não tocar seu grande hit?
Como já disse, não é mandatório. Mas idealmente sim, principalmente se for um artista de poucos hits, como foi o A-Ha. Penso que existem dois momentos em processos artísticos: a criação da obra – gravação do CD ou, se fosse um pintor, o momento de pintar o quadro. E tem o momento de vender a obra. Para um músico é um show. Para um pintor, seria uma exposição. No primeiro, você não precisa, e nem deve se preocupar com o que o público quer. No segundo, precisa pensar no público.
E então eu penso nos Rolling Stones. Eles poderiam muito bem não tocar Satisfaction – considerando a quantidade de hits que têm, era capaz até que passasse despercebido. Mas eles tocam. É uma atitude humilde e honrosa para com a música, o momento e a pessoa que você era quando a escreveu. É como dizer à sua obra “com tudo o que você tem de bom e ruim, se não fosse por você, era capaz que não estivessemos aqui”. (Me ocorre agora o exemplo oposto, dos Los Hermanos, que não tocaram Anna Julia por anos, talvez uma década – e achavam isso super bacana, um exemplo de, sei lá, coerência artística. Eu acho o oposto. Mas, novamente, é um assunto para outra hora).
Outro show que me veio à cabeça agora foi o de CJ Ramone, na quarta-feira da semana passada. Eu fiz, com os Aurélios, o show de abertura. Esquentamos o público para a estrela. O baixista tocou quase todas as músicas mais importantes dos Ramones, inclusive as gravadas antes dele entrar na banda – que eu sequer esperava ouvir.
Rolling Stones, CJ Ramone, Los Hermanos e Morten Harket têm seus motivos para suas escolhas. E eu tenho os meus para dizer que este show foi mais ou menos como um bom bolo de chocolate. Realmente bom. Mas faltou a cereja.