Publicado originalmente no site da Rede Brasil Atual (RBA)
Com 56,27% dos votos, João Campos (PSB) foi eleito prefeito do Recife neste domingo (29) numa das “piores campanhas de segundo turno que a cidade já assistiu nos últimos anos”. A crítica é do professor titular do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Michel Zaidan Filho. De acordo com o cientista político, em entrevista ao Jornal Brasil Atual, as últimas duas semanas foram marcadas por debates “horrorosos”, de ataques morais do PSB contra a candidata Marília Arraes (PT). “Porque deixou a agenda republicana, ligada a questões do município cheio de denúncias contra o PSB, que é o governo, para uma campanha moral, religiosa, familiar”.
De origem da mesma raiz política, do lendário Miguel Arraes (1916-2005), nas disputa entre os dois candidatos, que também são primos, o que pesou foi o que chama de “familismo amoral”. Isso explica, para ele, o resultado da petista que terminou a eleição com 43,73% dos votos. Distante do que apontavam as pesquisas eleitorais, inclusive às vésperas da eleição, que mostravam uma diferença menor de votos entre ela e Campos, com empate técnico.
Contra Marília, destaca Zaidan, pesaram as fake news disparadas como ataques morais pelo PSB. Em Recife circularam panfletos apócrifos, dizendo que “cristão de verdade não vota em Marília Arraes”. A peça estampava a foto da petista com balões que a ligavam à defesa do aborto, legalização das drogas e a uma suposta “ideologia de gênero”.
O peso das fake news
A campanha adversária do PSB negou ter relação com as mensagens. Por outro lado, a questão religiosa também era tratada no programa eleitoral de João Campos, que acusava a petista de ser contra a Bíblia. Os ataques também entraram como mais um episódio de violência política de gênero. Quando, ao contrário de homens, mulheres são atacadas por serem mulheres, atribuindo à elas não suas propostas, mas pautas pessoais e morais.
Diferente do primeiro turno, o candidato do PSB também subiu o tom de campanha contra o PT. Mais agressivo, o filho de Eduardo Campos, morto em 2014, insistiu no discurso do antipetismo, desconsiderando que seu o próprio partido, também do campo dito progressista, é aliado no estado e tem inclusive secretarias.
A estratégia “falsa, mentirosa”, como considera o professor da UFPE, “provocou”, no entanto “efeitos negativos para Marília”, que precisou se manter numa postura mais defensiva, inclusive se reafirmando cristã.
“Os prejuízos que essa retórica moralista, familiar, pessoal, religiosa provocou no eleitorado foi muito grande. A abstenção foi altíssima, de 21%. Além dos 9% de votos nulos e brancos. Ela evitou revidá-los. A estratégia de Marília foi tentar evitar entrar no debate de baixo nível que estava sendo feito. E quando foi aconselhada a mudar a estratégia era tarde demais, o prejuízo já era grande nessa reta final. A retórica antipetista e o tom da campanha no segundo turno, muito voltado a questões pessoais, terminou se sobrepondo às denúncias que foram feitas por Marília sobre a gestão do PSB em Recife”, observa Michel Zaidan.
As falhas
O cientista político também vê problemas na aliança de chapa de Marília com setores muito conservadores, e que também reforçam o antipetismo. A campanha da candidata ainda, para apontar que João Campos seria inexperiente para o cargo, também usou de sua idade – 27 anos. Assim como insistiu que numa eventual vitória quem comandaria a cidade seria a mãe do candidato, Renata Campos. Ela é apontada por atuar nos bastidores da política pernambucana, mas as constantes citações a sua figura também foram descritas como ataques machistas.
“Houve judicialização, mais de 60 ações foram impetradas por ambos comitês. É o que a gente chama de familismo amoral. A agenda de campanha tornou-se acusações entre primos da mesma família. Uma baixaria insuportável”, lamenta Michel Zaidan na Rádio Brasil Atual.
Confira a entrevista