Este texto está sendo republicado
Com a palavra o grande escritor francês Victor Hugo (1802 – 1885), autor dos romances Os Miseráveis e Nossa Senhora de Paris, entre outros. É mais uma etapa da série Conversas com Escritores Mortos. Extraímos frases de Victor Hugo sobre variados assuntos — com destaque, é claro, para os bastidores da trama de Os Miseráveis.
Monsieur Hugo, Os Miseráveis foi uma de suas obras mais famosas, adaptado para o cinema inúmeras vezes. O romance trata de vários temas, dentre os quais a redenção do personagem Jean Valjean. Qual foi a mensagem que o senhor quis nos passar com a história de Valjean?
Quis passar-lhes a mensagem de que até mesmo a noite mais escura vai terminar e o sol aparecerá no horizonte. Devemos ter coragem para as grandes tristezas da vida e paciência para as pequenas. Devemos cumprir laboriosamente nossos deveres diários – e então dormir em paz. Deus estará acordado.
O senhor sempre foi muito religioso, não é mesmo? Muitos humanistas e filósofos argumentam que a religião não é algo útil, uma vez que serve de pretexto para muitas guerras e discórdias. Além disso, declaram que é inútil crer em algo ou alguém que nunca foi visto.
As coisas darem errado não é motivo para culpar Deus. Seu nome é usado em vão, e como pretexto para coisas horríveis. Mas isso não é Sua obra. Muitas coisas boas foram feitas, também em Seu nome. A alma de Jean Valjean é salva pela religião. O bom Bispo Myriel, era, eu diria, um enviado de nosso Senhor. Ao dar à Valjean sua prataria, diz-lhe que ele deve usá-la para tornar-se um homem honesto. “Meu irmão”, ele lhe diz, “Agora o senhor não pertence mais ao mal, mas ao bem. É a sua alma que estou comprando para você. Eu a afasto de pensamentos sombrios e do espírito da perdição, e a dou a Deus”.
É um momento lindo e inesquecível.
Fora isso, discordo quanto a infame acusação de que Deus nunca foi visto.
Como assim?!
Amar outra pessoa é ver a face de Deus.
De fato. Monsieur Hugo, seu romance também foi uma espécie de crítica social, não é mesmo?
Antes de mais nada, foi uma tentativa de passar uma mensagem à sociedade. Ensine tanto quanto possível o ignorante; a sociedade é culpada por não prover uma educação gratuíta a todos e deve responder pela escuridão que isso produz. Se a alma é deixada nas trevas, pecados são cometidos. O culpado não é quem cometeu o pecado, mas quem deu origem às trevas. É para isso que temos que lutar. Muitos irão nos ignorar; mas não ser ouvido não é razão para silenciar-se.
Hmmm…
Eu pergunto: Pode a natureza humana ser inteiramente transformada? Pode uma alma ser tão completamente mudada por seu destino, e tornar-se diabólica quando o destino é diabólico? Pode um coração distorcer-se, contrair deformidades incuráveis, se está sob a pressão de uma dor desproporcional? Não há, em toda alma humana, uma faísca primitiva, um elemento incorruptível nesse mundo e imortal no próximo, que pode ser desenvolvido pela bondade, e que nada é capaz de extinguir completamente? Eu acho que há.
A alma humana é realmente complexa!
Nada discernível aos olhos do espírito é mais brilhante ou obscuro do que o homem. Nada é mais formidável, complexo, misterioso e infinito. Há um prospecto maior do que o oceano, e há o céu. Há um prospecto maior do que o céu, e é a alma humana.
Monsieur Hugo, qual é sua opinião sobre revoluções?
Se a senhorita deseja entender o significado da palavra Revolução, chame-a de Progresso. E se deseja entender o que Progresso significa, chame-o de Amanhã.
E o que acha da pena de morte?
Olhe, examine, reflita. A sociedade usa a punição capital como exemplo. Por que? Por causa do que isso ensina. E o que é que pretendem ensinar por meio desse exemplo? “Não matem”. Como é que ensinam que não se deve matar? Matando.
Hmmm…
Vejo a pena de morte sob dois aspectos – como uma ação direta e como uma ação indireta. E o que concluo? Ela nada mais é do que algo inútil e horrível, uma maneira de derramar sangue de uma forma que é chamada de crime quando um indivíduo a comete, mas que é chamada de justiça quando a sociedade a realiza. Não se enganem, senhores legisladores e juízes – aos olhos de Deus e daqueles que possuem uma consciência, o que é um crime quando cometido por um indivíduo não é menos pior nem menos sujo quando é a sociedade que comete o ato.
Mudando de assunto, Monsieur… As pessoas geralmente comentam que a maneira como Marius e Cosette se apaixonaram, em Os Miseráveis, é meio… Irreal, por assim dizer. Eu mesma não sei de ninguém que caiu de amores por uma pessoa no exato momento em que a olhou.
Nas histórias de amor, muito abusaram do poder de um olhar. Assim, ele foi desacreditado. Poucas pessoas ousam afirmar que duas criaturas se apaixonaram porque se entreolharam, mas é assim que o amor se inicia, e apenas desse modo.
O senhor considera o amor essencial aos seres humanos?
A maior felicidade que podemos sentir na vida é a convicção de que somos amados; amados por quem somos, ou melhor, apesar de quem somos. Quando o amor une e mistura dois seres em uma unidade angélica, o segredo da vida foi por eles descoberto; não são nada além de dois limites do mesmo destino; não são nada além de duas asas do mesmo espírito. O amor é a tolice dos seres humanos e a sabedoria de Deus.
Mas esse amor se reduz à amar um amante? Não podemos alcançar essa felicidade amando um pai ou um irmão?
Diga-se de passagem que deslumbrar-se e apaixonar-se são, de fato – nesse lugar onde nada é completo – um dos mais exímios modos de felicidade. Mas isso não se reduz ao amor de amantes. Ter ao seu lado, continuamente, uma mulher, uma garota, uma irmã, uma filha, que está lá porque você precisa dela e porque ela não viveria sem você, saber que você é indispensável para alguém que é necessário a você, ser capaz de medir a afeição dela pelo grau de presença que ela lhe concede é encantador.
O amor pressupõe, então uma espécie de entrega mútua?
Você pode se entregar sem amar, mas nunca pode amar sem se entregar. Os maiores atos de amor são realizados por aqueles que estão habituados a realizar pequenos atos de gentileza. Nós perdoamos na medida que amamos. Amar é saber que, mesmo quando estamos sozinhos, nunca estaremos solitários novamente.