Uma vazamento aqui, outro ali, e a Polícia Federal comandada por Moro vai construindo uma narrativa. Coube ao Estadão de hoje publicar a versão bombástica: Walter Delgatti Neto, hacker suposto, estelionatário fichado, teria confessado que deu ao jornalista Glenn Greenwald acesso a informações capturadas do aplicativo Telegram.
A informação foi parar na manchete do jornal: “Hacker diz à polícia que deu a site acesso a conversas de Moro”.
Só no corpo do texto é que vem a advertência: “Os investigadores tratam o relato com cautela, uma vez que o hacker é apontado como estelionatário. Razão pela qual tudo o que ele informar será investigado, especialmente a partir da quebra dos sigilos bancário, fiscal e telemático do grupo.”
A manchete lembra o que o mesmo jornal fez em 1989, quando deu destaque a uma versão divulgada pelo então secretário de Segurança Pública, que ligava o PT ao sequestro de Abílio Diniz:
“Fleury diz ter encontrado material do PT”.
Na ocasião, um perito da Polícia Civil chegou até a tirar a foto de um dos sequestradores com a camiseta da campanha de Lula a presidente.
Vi a fotografia, que não chegou a ser divulgada, mas integrava um inquérito sigiloso. O sequestrador estava com o rosto desfigurado, mas a camiseta era impecável, como se tivesse saída da embalagem.
Esta foto foi juntada em um investigação da denúncia de tortura feita pelo advogado do sequestrador.
A investigação foi arquivada por decisão do Ministério Público do Estado de São Paulo.
Posteriormente, ficou comprovado que o PT não tinha nenhuma ligação com o sequestro, mas já era era tarde: até o presidente do Ibope na época, Carlos Augusto Montenegro, entendeu que a divulgação das notícias foi decisiva para a derrota de Lula na eleição daquele ano.
Desta vez, não há eleição, mas um julgamento em curso na Justiça, relacionado a Lula. Trata-se do HC em que a parcialidade de Sergio Moro é o fundamento do pedido para libertar o ex-presidente.
Não havia necessidade de vazamento de mensagens pelo Intercept para comprovar a parcialidade do ex-juiz.
Basta ler o processo e o noticiário. Depois de condenar Lula, abrindo caminho para que ele fosse proibido de se candidatar, Moro se tornou ministro do presidente eleito.
É um escândalo.
Os diálogos divulgados pelo Intercept apenas mostram como a armação se deu, ilustram o crime, que já era nítido com as decisões e o comportamento de Sergio Moro à frente do processo.
O poder das mensagens está na percepção do escândalo por parte do público.
Moro agora se apressa para tentar obscurecer a narrativa. Em agosto, a segunda turma do Supremo Tribunal Federal deve retomar o julgamento do HC sobre a parcialidade do ex-juiz.
Uma vez admitido que Moro agiu com parcialidade, o HC deve ser concedido e Lula, libertado.
Ontem mesmo, antes da manchete do Estadão, o ex-juiz cravou no Twitter que os estelionatários de Araraquara são a fonte do Intercept.
Talvez sim, talvez não.
É o que menos importa, e o Intercept tem assegurado o direito ao sigilo da fonte.
No entanto, ligar os estelionatários presos pela polícia de Moro ao Intercept é o tipo de informação que ajuda os aliados dele na imprensa a construir uma narrativa que seja útil na busca de uma saída para a acusação de parcialidade contra o ex-juiz.
Não estranha, portanto, que o tuíte de Moro tenha se desdobrado em detalhes que foram parar na manchete do Estadão.
O jornal não diz quem é a fonte de sua manchete, mas nem precisa.
Os jornalistas comprometidos com a Lava Jato estão recebendo argumentos para fazer a defesa do ex-juiz e dos demais, e confundir a opinião pública.
Não tem nada a ver com notícia.
Felizmente, nem todos os jornalistas estão nesse círculo e alguns têm coragem de denunciar que a investigação da Polícia Federal não tem credibilidade alguma com Moro no Ministério da Justiça e, portanto, chefe do órgão.
“Seria adequado que a OAB, ABI e sindicatos de jornalistas acompanhassem a investigação a convite da própria Polícia Federal. Sem essa providência, qualquer conclusão da PF não poderá ser considerada a sério, porque a priori estará comprometida com um projeto de extrema direita, e seu chefe, o ministro da Justiça, não pediu afastamento do cargo”, disse o jurista Pedro Serrano.