Jair Bolsonaro é uma besta-fera, mas está longe de ser uma besta-quadrada.
Ele, mais do que ninguém, percebeu que o cheiro da farda ainda faz boa parte da classe política brasileira sujar as calças e, por isso mesmo, comporta-se no Congresso Nacional como um cachorro louco a quem ninguém ousa chamar atenção.
Bolsonaro faz política rangendo os dentes e cuspindo ódio diante de uma plateia anestesiada e incapaz de reagir, mesmo quando, como agora, ofende uma colega parlamentar com insinuações de estupro.
“Não vou te estuprar porque você não merece”, ele disse, em mais um de seus proverbiais ataques de misoginia, ao se dirigir à deputada Maria do Rosário, do PT do Rio Grande do Sul. O pecado da parlamentar foi a de discursar sobre o Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Bolsonaro, como se sabe, considera o tema uma distorção social voltada para vagabundos.
A frase em questão bem que poderia ter sido dita, com debochada crueldade, em um porão do DOI-CODI a uma presa política, por um desses animais da ditadura louvados por Bolsonaro.
Por ele e pelos seres humanos doentes que o seguem e admiram, entre eles, infelizmente, gente da minha convivência. Parte por analfabetismo político e déficit cognitivo, parte por lesões morais de origem patológica.
Bolsonaro é a parte visível de uma sociedade apodrecida em conceitos miseravelmente binários. Seria injusto dizer que isso decorre, apenas, de sua persona militar, embora a farda outrora ostentada, claro, contribui para apelo do deputado do PP fluminense junto aos quartéis.
Na caserna, ainda hoje, os generais golpistas da ditadura são tratados como grandes líderes da nação e sobre eles deitam-se pomposas homenagens, geração após geração, nas escolas de formação militar, sem nenhuma interferência do poder civil sobre essa lavagem cerebral baseada na doutrina de segurança nacional das velhas apostilas da Escola Superior de Guerra.
Infelizmente, nenhum presidente civil pós-redemocratização, de José Sarney a Dilma Rousseff, teve coragem de interferir nesse processo de envenenamento ideológico de jovens aspirantes à carreira militar.
Jair Bolsonaro, então capitão do Exército, mostrou os dentes à nação, pela primeira vez, em um artigo para a revista Veja, em 1986, no qual protestava contra os baixos salários dos militares. Por isso, acabou preso e desencadeou uma moda volta e meia colocada em prática: o protesto de mulheres de militares da ativa. Elas, ao contrário dos maridos, podem promover panelaços e fazer passeatas sem correr o risco de acabar no xadrez.
No ano seguinte, em 1987, a repórter Cassia Maria, de uma época em que a Veja ainda fazia jornalismo, quebrou um off do capitão para contar como (já) funcionava a cabeça de Bolsonaro: para pressionar o então ministro do Exército, general Leônidas Pires, a aumentar o soldo dos militares, ele pretendia explodir bombas na Vila Militar da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende (RJ).
A partir daí, Bolsonaro largou a farda e tornou-se o representante legal do discurso do ódio dentro e fora do Congresso Nacional.
Ele está na Câmara dos Deputados há 24 anos, graças a seis mandatos consecutivos. Nas últimas eleições, aos 59 anos, foi o deputado federal mais bem votado do Rio de Janeiro, com mais de 464 mil votos.
Na disputa presidencial, apoiou Aécio Neves, do PSDB.
Ou seja, tem muita gente disposta a defendê-lo – e protegê-lo.
Haja vista a histórica leniência de seus pares que, legislatura após legislatura, permitem a Bolsonaro se comportar como uma aberração de circo a quem tudo é permitido em nome da diversão.