Minutos depois do resultado que confirmou a reeleição da presidente Dilma Rousseff, uma onda de preconceito tomou as redes sociais. Internautas revoltados despejaram ódio contra nordestinos – ela venceu em todos os estados da região Nordeste.
Ofensas como essas não são novidade. Em 2010, a estudante de direito Mayara Petruso, revoltada com a eleição da presidente Dilma, soltou uma série de impropérios dirigidos nordestinos. Ela foi denunciada pelo Ministério Público Federal (MPF) e julgada por crime de discriminação ou preconceito de procedência nacional. A pena foi prestação de serviços comunitários e pagamento de multas.
Quatro anos depois, milhões de mayaras estão por aí espalhando veneno. A SaferNet Brasil, ONG que atua em defesa dos direitos humanos na internet, registrou um aumento de 342,03% nas denúncias de racismo e crimes semelhantes no último domingo, em comparação com o primeiro turno.
Junto com as ofensas vieram propostas absurdas de dividir o Brasil em dois: entre os estados que elegeram Dilma e aqueles onde Aécio teve mais votos.
Ideia estapafúrdia que não vem só de bobalhões com vontade de desabafar suas frustrações. A vereadora de Natal Eleika Bezerra, do PSDC, partido do eterno candidato José Maria Eymael, propôs criar uma região chamada de “Nova Cuba”.
Apesar de ser professora aposentada, Eleika ignorou o fato de que Dilma perdeu no Espírito Santo e em três estados da região Norte. No mapa da vereadora, o estado natal de Aécio seria “implodido para construção de um lago”.
No editorial desta terça-feira (28), o jornal O Globo reverberou a voz da parcela da população insatisfeita com o resultado das urnas: “Fica evidente que o país que produz e paga impostos — pesados, ressalte-se — deseja o PT longe do Planalto, enquanto aquele Brasil cuja população se beneficia dos lautos programas sociais — não só o Bolsa Família —, financiados pelos impostos, não quer mudanças em Brasília, por óbvias razões.”
O problema é que, de acordo com o resultado das urnas, essa interpretação está, além de tudo, incorreta.
De acordo com dados fornecidos pelo TSE, a vitória do PT foi garantida por eleitores do Sul e Sudeste, com 26,6 milhões dos votos totais obtidos por Dilma — mais de 2 milhões a mais do que os obtidos no Norte e Nordeste (24,5 milhões de votos).
Dilma obteve 48,8% do sufrágio no que o Globo chamou de áreas “ricas e produtivas” do Sul e Sudeste; 45% vieram dos “pobres”.
“Se prestassem mais atenção nos números do TSE, editorialistas, sociólogos e analistas perceberiam que não é o país que está dividido ao meio, geográfica e socialmente, mas apenas os votos dos partidos”, apontou o jornalista Ricardo Kotscho em seu blog.
Isso tudo, no entanto, é irrelevante para os derrotados. O que importa, para eles, é perpetuar uma ideia de superioridade de quem não vota no PT e contaminar com esse pensamento elitista a parcela desinformada e acrítica da classe média. Só isso, sem compromisso com ética ou verdade.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) repudiou os ataques e lembrou que postagens com xenofobia ou outros tipos de discriminação podem ser denunciados para o Ministério Público Federal (http://cidadao.mpf.mp.br/formularios/formularios/formulario-eletronico). A ONG SaferNet (http://www.safernet.org.br/site/denunciar) também recebe denúncias, acessadas em tempo real pela Polícia Federal e pelo MPF.