Como qualquer torcedor de futebol fanático, o vendedor Rogério Lemes Coelho, 44 anos, afirma que nasceu corintiano. Mas não hesita em dizer quando se entendeu integrante do “bando de loucos”. “Acho que desde Sócrates, Casagrande, em 1982, 1983, quando eu vi aquele time da democracia corintiana ganhar do São Paulo, ganhar dois títulos. Sou capaz de falar a escalação até hoje”, afirmou em entrevista à Ponte, dois dias depois de ser detido pela Polícia Militar no início do dérbi paulista contra o Palmeiras, válido pelo Campeonato Brasileiro, no domingo (4/8), na Arena Corinthians, zona leste de São Paulo.
O motivo? Um protesto isolado contra o presidente Jair Bolsonaro (PSL). Rogério conta que ao chegar na arquibancada, os jogadores estavam em campo perfilados e o hino nacional estava tocando. “Me deu uma coisa de patriotismo. Eu estudei na época que cantava hino na escola e sentíamos um lance de ser brasileiro. Aí pensei que não quero isso aí, esse Bolsonaro e tudo que ele representa para o meu país. ‘Bolsonaro, vai tomar no cu’ saiu como um desabafo. Gritei de mim para mim mesmo”, relatou.
Rogério levou um mata-leão de PMs que estavam perto dele, foi algemado e levado a uma salinha pequena onde passou por humilhações e xingamentos. Há alguns anos, o corintiano teve uma necrose na cabeça do fêmur e, por isso, teve que colocar uma placa de titânio para corrigir o problema. “Me jogaram no chão nessa sala, eu não conseguia me mexer porque as algemas estavam muito apertadas. Sentia muita dor, ainda estou todo dolorido. Entrava um, saía outro e todos me humilhando. Eu implorava: ‘me tira dessa posição, mano, por favor’. E os caras: ‘Foda-se, foda-se! Não vou te ajudar, não. Você não é ‘bravão’, você não é valentão? Você não gosta de xingar autoridade, de xingar o presidente?’. E não me tiravam dali”, continuou. “Me senti aterrorizado”, completa.
Membros da Democracia Corintiana apelidaram a sala de “DOI-Codi da Arena”, em referência ao local onde militantes contrários à ditadura militar em São Paulo foram presos e torturados no período ditatorial, entre 1964 e 1985. Alguns, até a morte. A história de Rogério viralizou em uma postagem na rede social Facebook.
O corintiano, morador da periferia de Mauá, na Grande São Paulo, revela que se soubesse a proporção que o post em suas redes sociais tomaria, não teria feito nada, mas que, agora, não tem mais volta. “Espero que isso sirva de estopim para a gente brigar contra toda essa porra que está acontecendo no nosso país, senão vai virar o terror de novo. Essas coisas que a gente ouve falar dos anos 1960, 1970, do período da ditadura, a gente está caminhando para isso e pode ser até pior. Essa gente é ruim. Esses caras que estão no governo do país são bandidos, milicianos”, desabafou Rogério, que já formalizou a denúncia na Ouvidoria da Polícia e na Corregedoria da PM.