Autor do ataque ao Porta dos Fundos vai pedir asilo na Rússia. Por Lauro Neto

Atualizado em 3 de janeiro de 2020 às 20:01
Fauzi com ideólogo russo Alexander Dugin (Reprodução)

Publicado originalmente pelo Projeto Colabora:

POR LAURO NETO

“Fala, Mambo! Tá por Floripa ainda?”. Essa foi minha primeira abordagem a Eduardo Fauzi Richard Cerquise, pelo WhatsApp, no primeiro dia do ano de 2020, pouco mais de 24 horas após ele ter publicado num grupo de Ex-Alunos de Economia da UFRJ que estava na capital de Santa Catarina com a família para o ano-novo. Àquela altura, o Rei do Mambo – seu apelido, pelo gingado na dança, desde a época de faculdade no campus da Praia Vermelha -,  já estava na Rússia, após driblar as polícias Civil e Federal e embarcar no Aeroporto do Galeão, antes de ter sido expedido um mandado de prisão contra ele pela participação no ataque com coquetéis molotov à produtora Porta dos Fundos, em Botafogo. “Achavam que fui muito estúpido pra não cobrir o rosto e não alterar a voz, mas fui conectado o suficiente pra ser avisado do mandado a tempo de viajar pra fora do país”, escreveu Fauzi.

A entrevista foi negociada por três dias, depois de Fauzi fazer alguns pedidos, como os de que o repórter enviasse fotos suas, além de dados pessoais, como RG e CPF. Alguns foram atendidos, outros não. Mambo ficou desconfiado da tentativa de criação de proximidade entre ele e o jornalista, que, de fato, nunca existiu. Personagem controverso desde as manifestações de 2013, quando foi preso, Fauzi nega qualquer envolvimento com Sininho, que foi ressuscitada num vídeo da época pedindo sua liberdade com outros manifestantes fazendo greve de fome. Classificado por ex-alunos do Instituto de Economia  da UFRJ como uma “salada ideológica”, ele tenta esclarecer, na entrevista, que as motivações para o ataque ao Porta dos Fundos foram religiosas e não “eleitorais”, ao ser questionado sobre sua filiação ao PSL. Também negou sua ligação com a milícia – com mais de 20 anotações criminais, em fevereiro de 2019, ele foi condenado a 4 anos e meio de prisão por agredir Alex Costa, ex-secretário municipal da Ordem Pública, quando do fechamento de um estacionamento irregular na região portuária.

Sua estratégia flerta com a confusão como método, ora atacando a esquerda, como o fez no vídeo em que chama os integrantes do Porta dos Fundos de criminosos, ora enviando ao repórter o link de um artigo sobre a sua suposta ligação com um  grupo inspirado no ideólogo russo Alexander Dugin. Fauzi, de fato, aparece numa foto ao lado de Dugin, supostamente tirada em 2014. “Se você tiver alguma noção do peso dele dentro do governo Putin, vai ter uma dimensão da inacessibilidade dele”, diz Fauzi. Soa como bravata. Mas o Rei do Mambo tem uma namorada russa, que conheceu nas pistas de lambazouk, e um filho com ela. Ao demorar para responder as perguntas enviadas para seu e-mail pessoal, Fauzi disse que estava ocupado com os procedimentos para pedir asilo na Rússia. “Eu sou o candidato típico. Mas a decisão é política. Se não houver interesse político eles não me não me asilam”. Preocupado com o respeito à norma culta, pediu ao Projeto #Colabora que corrigisse eventuais erros de falta de acento ou vírgula, devido ao teclado que usa na Rússia. Leia a íntegra da entrevista a seguir.

#Colabora – Você não acha contraditório ter praticado um ato de violência (jogar coquetel molotov) para defender o respeito a Jesus, que só pregava a paz, o amor e o perdão, mesmo aos inimigos?

Eduardo Fauzi Richard Cerquise – Existe uma “incoerência de superfície” que se desfaz no aprofundamento da questão. Fazendo um chicote com algumas cordas, «…expulsou a todos do templo, as ovelhas bem como os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos cambistas, virou as mesas e disse aos que vendiam as pombas: Tirai daqui estas coisas; não façais da casa de meu Pai uma casa de negócio.» (João 2:15-16).  Nessa passagem, Jesus Cristo usa de VIOLÊNCIA FÍSICA contra os “vendilhões do Templo”.  O argumento teológico  – que justifica o uso da violência racional, ou seja, quando exauridos os recursos e de forma proporcional, para evitar um mal maior – deriva daí.

Você considera mesmo que no ataque a bomba à produtora Porta dos Fundos a violência foi empregada de forma racional e proporcional? E se o segurança tivesse morrido ou ficado ferido, o que não aconteceu por pouco, pois ele estava muito perto da explosão?

Fauzi – A grande dificuldade do paradigma liberal, que é o paradigma hegemônico da pós-modernidade, é justamente a incapacidade de dialogar com outros paradigmas. Por mais que o signo +democracia+ seja alçado ao patamar de divindade na pós-modernidade, o fato não ultrapassa a esfera do discurso. Com efeito, no paradigma liberal, você só é livre para crer, pensar e se comportar dentro dos cânones do pensamento hegemônico. Todo pensamento periférico e dissidente será imediatamente criminalizado e banido do debate público. Por isso, um cidadão imerso na pós-modernidade liberal e ateísta não tem como acessar a violência simbólica do ato de profanação causado pelo Especial de Natal do Porta dos Fundos. É nesse sentido que não se tem que falar em proporção. Para um crente – fora portanto do paradigma hegemônico – uma blasfêmia sempre será infinitamente pior do que qualquer reação contra ela. Neste paradigma, uma blasfêmia é entendida e sentida como uma ofensa a Deus, que é infinito e perfeito. Qualquer ofensa, por menor que seja, contra Aquele que é infinito, é infinitamente maior do que a maior das ofensas contra um bem finito. Isso é lógica, apenas.
Quando um cristão não tem possibilidade de ser ouvido, quando não há possibilidade de debate, quando não há formas de responder aos ataques feitos à fé, e, sobre tudo, a Deus, além de nos depararmos com autoridades completamente inertes omissas ou até coniventes, que têm o poder de solucionar a questão e cessar a ofensa, mas não o fazem e se recusam a fazer, ou até mesmo defendem os atos criminosos e blasfemos, não resta outra forma do que responder com as próprias mãos. E, algumas vezes, literalmente com elas. Não existe diálogo nem sincera e genuína intenção em enxergar a realidade pelo olhar do outro. O paradigma liberal é uma divindade ciumenta que não permite concorrência. Aos pedidos de que se cessem os ataques e se respeitem a nossa fé, as respostas são sempre piores, com deboches e mais ofensas. Não há qualquer tolerância no debate. O escárnio como violência simbólica é o prato do dia. Além de qualquer discurso de inclusão e tolerância, o fato é que existe um largo vão entre “o trem e a plataforma”. Como a busca pelo equilíbrio é inevitável, uma hora alguém fará algo que os devolverá tudo isso, principalmente se, aqueles que deveriam solucionar os problemas não o solucionam, como foi o caso da Justiça brasileira. Para um cristão – fora portanto do paradigma liberal – uma ofensa medonha contra o nome de Cristo e, por extensão, contra o nome de todo o cristão e de tudo aquilo que Ele representa é uma violência MUITO MAIOR do que um foguinho de merda numa parede de vidro sem qualquer material inflamável que pudesse propagar o fogo que foi apagado em 12 segundos e não gerou qualquer estrago ou prejuízo material num horário em que não havia ninguém e onde o segurança dormia protegido por um porta de blindex. Nem o tapete foi queimado. Dizer que o segurança passou por risco de vida é também uma acusação ridícula e exagerada que distorce completamente a verdade real. O atentado é pífio do ponto de vista militar – sem baixas ou danos – e foi pensado e perfeitamente executado para ser puramente simbólico e gerar reflexão na sociedade.

O que você pensa que a Igreja Católica, representada pelo Papa Francisco, acha desse ato de violência?

Fauzi – Tomo a liberdade de reproduzir um fragmento de uma reportagem que contém a resposta do próprio Papa Francisco, quando do episódio do Charlie Hedbo:  “Mas se a liberdade de expressão é usada para ofender, advertiu, é possível e eventualmente inevitável que haja uma reação. Francisco usou o exemplo do Dr. Alberto Gasbarri, o organizador das viagens papais, que estava junto dele durante a conferência de imprensa. “É verdade que ele não pode reagir violentamente. Mas, se o Dr. Gasbarri, meu grande amigo, diz algo contra minha mãe, pode esperar um golpe. É normal”.  Aqueles que “giocatalizzano” ou “fazem um brinquedo da religião de outros… estão provocando”, prosseguiu.”

Você já praticou algum outro ato desse tipo por conta da religião? Como foi?
Fauzi – Nunca.

No vídeo que gravou, você diz que o Porta dos Fundos enriqueceu no governo do PT, além de criticar esquerdistas. Você é filiado ao PSL. Houve também uma motivação política no ato contra a produtora? Algum quadro do PSL tinha conhecimento do plano?

Fauzi – O ato não foi motivado por qualquer razão eleitoral ou financeira, como resta evidente. O que mobilizou o ato foram as energias de todo o povo acumuladas pela tensão que as ofensas bárbaras contra Deus e o sentimento popular mobilizaram. Era inevitável que algo ocorresse. Alguém tinha que tomar alguma atitude.

No grupo de “Ex-alunos de Economia da UFRJ” no WhatsApp, você disse que não agiu com nenhum intuito financeiro. A Polícia Civil informou que encontrou R$ 119 mil em dinheiro em dois imóveis seus. Qual a origem desse dinheiro, já que no vídeo você se identifica como guardador de veículos?

Fauzi – A minha identificação como guardador de veículos é real, ainda que também simbólica. Eu sou guardador e fui por muito tempo dirigente de uma associação classista de defesa dos direitos dos guardadores de veículos. É uma categoria popular, classe com a qual eu tenho plena identificação ontológica. O dinheiro não foi achado na minha casa, mas na casa dos meus pais onde eu morei há mais de 20 anos. Pertence ao meu pai, que é comerciante e tinha uma reserva em espécie para eventualidades. Apenas isso. Eu moro em um quarto com banheiro e sem janela em uma invasão que abriga camelôs e guardadores de veículos no pé do Morro da Conceição, na Zona Portuária. Saí de lá às pressas.

No vídeo, você chama os integrantes do Porta dos Fundos de “criminosos, marginais, bandidos”. Você tem 20 anotações criminais, segundo a Polícia Civil. Quais são as suas explicações para os outros crimes em que é investigado, sobretudo em relação à suspeita de envolvimento com milicianos no comando de estacionamentos do Centro do Rio e à condenação a 4 anos de reclusão segundo a sentença do juiz Guilherme Schilling Pollo Duarte, em fevereiro de 2019?

Fauzi – Eu sou uma pessoa combativa e trabalhando na defesa das classe populares pela dignidade do seu direito de trabalho; é inevitável que ocorram enfrentamentos de rua que acabem na seara policial. São todas anotações de baixo potencial ofensivo como ameaça e agressão, que sempre são em duas vias – ou seja, eu sou autor mas também sou vítima das agressões e ameaças. A polícia faz as anotações e manda para o MP que decide se há mesmo crime e se haverá abertura de inquérito. Eu fui rigorosamente investigado por associação miliciana durante anos a fio e nunca se provou nada contra mim. Com efeito, esses procedimentos investigatórios nunca resultaram em nenhum processo criminal nem em qualquer condenação. A minha única condenação é pelo episódio da agressão contra o então secretário de Ordem Pública, Alex Costa. Fora este, eu não tenho nenhum outro processo criminal conta mim. Nenhum. Nada. Zero. A anotação nos termos da Lei Maria da Penha se tratou de uma discussão pelo telefone que foi lido pela delegada plantonista como ameaça. Nunca houve agressão física. Esse procedimento não prosperou porque a própria suposta vítima em declaração posterior confessou que agiu sob o impacto da emoção e não se sentiu realmente ameaçada. Esse procedimento nunca virou processo judicial, mas a anotação policial fica. Só tenho um processo judicial e apenas uma condenação, relativas ao episódio em que o então secretário Alex Costa acabou atingido. Nada além disso. A respeito de tudo, é importante dizer que eu trago ideias de contestação ao sistema. Eu incorporo o pensamento dissidente e não alinhado e expresso as insatisfações populares de forme coesa e bem estruturada. Eu sou um perigo real ao paradigma liberal. Por isso, é importante me descredibilizar e desacreditar, atacando de forma vergonhosa a minha honra. Tudo o que a grande mídia disser contra mim é apenas propaganda contra um pensador dissidente e potencialmente questionador. E eles têm razão. É preciso mesmo que me destruam, pois, de outra forma, as sementes que estamos plantando germinarão inevitavelmente e a revolução brasileira, a revolução do espírito, inevitavelmente ocorrerá

Você não teme ser preso? Está em contato com seus advogados?

Fauzi – Evidentemente, cadeia é uma experiência complexa e que tem potenciais desdobramentos terríveis, mas eu não me assusto com a ideia. Eu já fui preso antes e pude extrair algum aprendizado do evento, além de ter feito amizades que durarão uma vida inteira. A respeito disso, é importante dizer que eu sou um homem de fé e CREIO que o Senhor é comigo. Que ele é o Senhor dos Exércitos e que nada se passa sem que seja da sua vontade e do seu consentimento. Estou pronto para arcar com as consequências do homem que eu sou se isso for da vontade de Deus e da sua justiça.

Você já havia sido preso nas manifestações de 2013. Como foi essa experiência, tanto dos protestos naquele ano quanto da prisão? Um vídeo em que a Sininho pedia a sua liberdade, com manifestantes fazendo greve de fome, voltou a circular na internet agora. Ainda mantém contato com ela e com aquele grupo? O quão organizado era aquele movimento?

Fauzi – Prisão é um evento intenso em qualquer escala. A convivência com os internos em um ambiente de escassez pode gerar traumas e ter consequências e desdobramentos na vida de qualquer um. É uma ferramenta de coerção estatal que funciona atingindo o imaginário popular em vários níveis, além do estigma social que atinge o apenado. No entanto, no Rio de Janeiro, o sistema penal acaba por funcionar de forma altamente eficiente. A estrutura dos presídios, apesar de modesta, é inacreditavelmente bem conservada, e a comida está no nível daquela que os brasileiros comem em suas casas todos os dias. A disciplina prisional fica a cargo da própria comunidade carcerária e isso também costuma funcionar bem ainda que haja eventuais excessos. Não é um evento aterrorizante para mim. Pra quem é capaz de se manter emocionalmente ileso e tem capacidade para extrair aprendizado de tudo, esses ambientes de escassez fornecem um vasto material de análise. Não que eu quisesse repeti-la, mas a experiência do cárcere me fez um homem melhor.
Sobre a Sininho, eu nunca tive nenhuma relação com o grupo dela. Nem de simpatia. Jamais a conheci pessoalmente nem nunca fui seu seguidor nas redes sociais. De fato, eu sou integralista: não posso ter qualquer diálogo com produtivo com punks ou black blocks. Ter um vídeo dela me defendendo não significa nada. Muito mais relevante seria se achassem um vídeo em que eu estivesse fazendo greve de fome pela prisão dela ou qualquer outra manifestação de solidariedade. Isso, de fato, não há. Faz parte da máquina de destruição de reputações à que eu me referi. Me fazer parecer ruim e inaceitável a todos os espectros do pensamento político, é uma necessidade da mídia agora… pros esquerdistas, eu sou integralista e de extrema-direita. Pros conservadores, eu sou black block. Pros liberais, eu sou um extremista religioso; e, pros religiosos, eu sou taxado como miliciano. É muita coisa para uma só pessoa. No conjunto, essa narrativa é ridícula e impossível.

Quando houve o ato contra o Portas dos Fundos, o “Comando de Insurgência Popular Nacionalista da Grande Família Integralista Brasileira” divulgou uma nota assumindo a autoria. Foram vocês mesmos que publicaram aquela nota? Também é de vocês a autoria do ato na Unirio queimando a bandeira contra o fascismo? Por quê? Por fim, a FIB divulgou uma nota ontem comunicando sua expulsão. Como encarou isso?

Fauzi – “Comando de Insurgência Popular Nacionalista da Grande Família Integralista Brasileira” não existe enquanto grupo organizado. É apenas uma estratégia de marketing, uma peça midiática, uma roupagem que abusa de elementos pastiche e de uma estética agressiva e simbólica para gerar impacto, polarizar atenções e causar discussão. Numa análise mínima, se vê que o próprio nome do suposto movimento é clichê demais para ser levado a sério, e a identidade estética é totalmente defasada, tendo sido elaborada para evocar os movimentos de libertação nacional do século XX. É apenas uma roupagem.
Eu militei na FIB por 10 anos. Tenho vários amigos no movimento e, de lá, extraí muito aprendizado. Lamento pela expulsão ter se dado de forma desonrosa, mas eles têm um medo compreensível de se posicionar de forma contundente contra o sistema e sofrer as consequências sociais inevitáveis que daí decorrem. O sistema é cruel. Não são revolucionários; e a farda verde que envergam é vazia de significado militar e guerreiro e, por isso mesmo, têm algo de ridícula. Eu acho mesmo que usarem o epíteto de soldados de Deus para si, quando não são soldados e não lutam contra nada de opressor, é cruel, é pecado e equivale a usar o Seu Santo nome em vão. É o integralismo que o sistema precisa: manso, não contestador, passivo e assexuado. Não são um movimento político, mas apenas um clube social de debate e confraternização. Inobstante, eu reitero que meus momentos passados na FIB foram de intenso aprendizado e meu carinho pelos companheiros permanece, ainda que meu entendimento do que seja integralismo seja radicalmente distinto do deles.