Originalmente publicado no UOL
Por Leonardo Sakamoto
As redes sociais entraram em polvorosa após viralizar uma reportagem de Rafaela Lima, do portal Metrópoles, mostrando que o governo federal adquiriu, em 2020, R$ 2,2 milhões em chicletes, R$ 8,9 milhões em bombons e R$ 31,5 milhões em refrigerantes, entre outros itens considerados supérfluos em um ano de pandemia que matou milhares e estourou o orçamento do país.
A cereja do bolo, ou o seu recheio, foram os R$ 15,6 milhões consumidos na forma de leite condensado – produto que Jair Bolsonaro gosta de passar no pão no Palácio do Alvorada.
Enquanto isso, milhões de brasileiros deixaram de lado esses itens ao fazer as contas no caixa do supermercado por conta do aumento nos preços do arroz, do feijão, do óleo de soja. No ano passado, a inflação para os mais pobres foi de 6,22% enquanto a que atingiu os mais ricos ficou em 2,74%, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Como justificativa para os gastos, o Poder Executivo afirmou que precisa sustentar uma tropa, literalmente, apontando que o maior gasto nessa área foi das Forças Armadas. Os valores precisam ser investigados. Até porque a reportagem mostra que ao consumir R$ 1,8 bilhão em alimentos, o governo gastou 20% a mais do que em 2019 – como referência, o IPCA de 2019 foi de 4,31%. É esperado que governos comprem alimentos, mas que também cuidem bem da coisa pública.
Se não houve um esquema de desvio de verbas escondido em meio ao chiclete e ao leite condensado, isso significa que Bolsonaro é mais insensível à situação do país do que parece. Ou mais incompetente. Ou os dois juntos.
Lagosta para lá, vinhos para cá, gastos supérfluos ocorreram em todos os governos até aqui e também beneficiaram membros dos Poderes Legislativo e do Judiciário. O que causou uma indignação diferente, neste momento, é que o presidente vem sendo criticado por sua necropolítica, conduzindo conscientemente o país em direção à tragédia, esquivando-se de ser o líder que o país precisa durante uma crise humanitária e econômica. Um líder, por exemplo, garantiria que gastos fossem racionalizados.
Ao mesmo tempo, a indignação vem do fato que o governo usou a justificativa da falta de recursos para interromper o pagamento do auxílio emergencial em dezembro. O benefício garantiria não apenas a manutenção de trabalhadores no momento em que a segunda onda leva a um novo fechamento de atividades, mas também ajudaria a evitar queda maior da economia.
O governo gastou, em 2020, R$ 2,2 milhões em chicletes, R$ 8,7 milhões em bombons, R$ 31,5 milhões em refrigerantes e R$ 15,6 milhões de forma de leite condensado. Economizar nisso não geraria o suficiente para bancar continuidade do auxílio emergencial a dezenas de milhões de famílias pobres. Mas mostraria que no momento mais sombrio da história recente do país, Bolsonaro não toca a máquina pública como se cuidasse de uma festa infantil.
Ao ver esses gastos, é como se ouvíssemos o presidente dizer novamente “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”, como disse, em abril do ano passado, sobre os mortos na pandemia.
No dia 15 de março de 2020, em uma manifestação a favor de Bolsonaro, no Rio de Janeiro, fãs do presidente carregavam cartazes trazendo um “foda-se” gigante. Esses gastos são mais um capítulo dessa era em que o governo nos meteu, a Era do Foda-se.
Bolsonaristas dizem, nas redes sociais, que esses valores são pequenos em comparação a outras sangrias no orçamento – a mesma justificativa usada para menosprezar os desvios de recursos públicos que, segundo o Ministério Público, foram comandados pelo senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), no que convencionou se chamar de “escândalo das rachadinhas”. Ou seja, sacanagem ocorre quando envolve o outro lado.
O ano começa sem oxigênio, sem perspectivas de vacinação em massa, sem empregos, sem auxílio emergencial. Mas com a garantia que chiclete, bombom, refrigerante, leite condensado e cara de pau não vão faltar ao governo.
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