Avanço da direita, unidade, governança: os desafios aos partidos progressistas. Por Frei Betto

Os fatos comprovam que políticas sociais não são suficientes para mudar a cabeça do povo. É necessário um intenso e sistemático trabalho de educação política

Atualizado em 8 de outubro de 2024 às 16:50
O presidente Lula durante a votação nas eleições municipais em São Bernardo do Campo (SP). Foto: Ricardo Stuckert/PR

Por Frei Betto*, publicado na Revista Opera

Tive a honra de ser convidado a abrir, em 26 de setembro último, na Cidade do México, o XXVI Seminário Internacional “Os partidos e uma nova sociedade”, promovido pelo Partido do Trabalho que, em aliança com os partidos Morena e Verde, elegeram a primeira mulher presidente do México: Claudia Sheinbaum.

Na presença de delegações de partidos progressistas de cinco continentes, iniciei por ressaltar os sete obstáculos à governabilidade:

1) Dificuldades econômicas devido à dependência externa, o que impossibilita implementar políticas de distribuição de renda e combate à pobreza. Em geral, os países em desenvolvimento dependem, historicamente, da exportação de commodities e da exploração de seus recursos naturais. A volatilidade dos preços no mercado internacional e a pressão das instituições financeiras hegemônicas, como o FMI, impedem os governos de manterem, a longo prazo, programas sociais sustentáveis.

2) Governança e corrupção. Em muitos países as forças progressistas se sentem obrigadas, para garantir a governabilidade, a negociar com as forças conservadoras. E as estruturas de governo são contaminadas pela corrupção, o que faz refluir o apoio popular.

3) Avanço da direita. Os setores de direita, respaldados pelas Big Techs e as redes digitais (robôs, algoritmos, Inteligência Artificial), se apropriam da agenda de costumes, tão sensível à população, e manipulam o sentimento religioso. Adotam uma retórica nacionalista, xenófoba, anti-imigração e favorável ao neoliberalismo.

4) Falta unidade das tendências de esquerda de cada país e, portanto, de estratégias comuns.

5) A pressão imperialista, como os bloqueios a Cuba e Venezuela, asfixia a economia dos países progressistas, afetando as condições de vida da população.

6) Falta uma correta gestão da crise climática e dos recursos naturais. Há tensão entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental. A exploração de recursos naturais (minério, petróleo, agronegócio etc.), em geral feita pelo capital privado, desencadeia conflitos com os movimentos indígenas e ambientalistas.

7) São insuficientes os mecanismos para combater a desigualdade social e o racismo estrutural. E as populações indígenas e negras são precariamente incluídas nas esferas de poder.

O presidente Lula durante a 7ª Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Foto: Ricardo Stuckert/PR

Ressaltei que ser de esquerda é, sobretudo, uma opção ética, o que exige de seus militantes coerência de ação com os princípios abraçados. Fidel me disse um dia que um revolucionário pode perder tudo: a família e o emprego, porque caiu na clandestinidade; a liberdade, porque foi preso; a vida, porque o assassinaram. Só não pode perder a moral, pois isso compromete, aos olhos do povo, a causa que defende.

Na América Latina, os governos progressistas criaram ferramentas importantes de integração entre os países, como ALBA, CELAC, UNASUR, Fórum Mundial Social e Fórum de São Paulo, todas sem a presença dos EUA. No entanto, nem sempre essas instâncias são devidamente valorizadas.

Muitas lideranças de esquerda se deixam picar pela “mosca azul”, e insistem em se perpetuar no poder, causando ruptura entre os setores progressistas e desgaste popular. E muitos militantes são incorporados às estruturas de governo sem a responsabilidade de dar prosseguimento ao trabalho de base. Em muitos países a capacidade de mobilização popular promovida pela direita supera a da esquerda.

Os fatos comprovam que políticas sociais não são suficientes para mudar a cabeça do povo. Para isso se requer um intenso e sistemático trabalho de educação política, já que toda a população sofre uma deseducação política profunda, capilar, seja pela cultura que se respira, seja pela família, escola, religião e, sobretudo, redes digitais.

É preciso menos palavras de ordem e mais Paulo Freire. Sem valorizar a educação popular, a economia solidária, o cooperativismo, a cultura e a arte populares e os movimentos identitários e ambientalistas, dificilmente surgirá uma nova geração de militantes capaz de formular e lutar por uma sociedade pós-capitalista.

Enfim, precisamos ressignificar o socialismo. E guardar o pessimismo para dias melhores.

*Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros

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