Azevedo e Silva sabia que Cidão apenas cumpria ordens. Por Moisés Mendes

Atualizado em 16 de junho de 2023 às 21:43
Mauro Cid fazendo careta e gesticulando
Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro – Reprodução

Poucos militares, ou talvez nenhum outro, conhecem tanto o poder com e sem farda quanto o general Fernando Azevedo e Silva.

Ocupou altos cargos na estrutura militar, foi ajudante de ordens de Collor, chefe da assessoria parlamentar das Forças Armadas, assessor especial do ministro Dias Toffoli quando esse ocupou a presidência do Supremo, ministro da Defesa de Bolsonaro e quase diretor-geral do TSE.

Azevedo silva seria o escudo fardado, dentro do TSE, para conter a artilharia de Bolsonaro com o blefe do golpe.

Desistiu do cargo, sete meses antes da eleição, porque deveria cuidar da saúde, e deixou em suspense uma pergunta perturbadora.

O general não se sentia forte o suficiente para encarar um ambiente em que, ficaríamos sabendo depois, o vice de Bolsonaro seria Braga Netto, o general sucessor de Azevedo na Defesa?

Azevedo desistiu da função executiva no TSE, que era na verdade uma trincheira militar garantidora da eleição e se calou por muito tempo. Todos queriam ouvir Azevedo e Silva.

E o general só voltou a falar no dia 22 de janeiro do ano passado, um domingo, em entrevista à CNN.

Comentou as trocas de comando determinadas por Lula nas Forças Armadas, sem qualquer abordagem que pudesse surpreender.

Governantes trocam comandos, porque têm autonomia para isso, e a vida deveria seguir em frente.

Mas o general tinha uma ressalva: questionava a decisão do governo de trancar a nomeação do coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, para a chefia do 1º Batalhão de Ações de Comandos em Goiânia.

Cid já era investigado pelo Supremo por suspeita envolvimento no vazamento de informações sigilosas de um inquérito sobre um suposto ataque hacker à estrutura do sistema eleitoral do TSE.

O ajudante de ordens de Bolsonaro caiu sobre o então comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, que havia resistido a suspender a nomeação do coronel ao posto em Goiás.

E agora vamos relembrar o que Azevedo e Silva disse de Mauro Cid naquela entrevista:

“O coronel Cid recebia ordens, diretrizes do presidente. Eu o conheço, é um coronel que seguiu todos os cursos da carreira. A gente não pode execrar um coronel da ativa sem ter uma investigação iniciada, apurada e conclusiva. Não pode jogar ele na fogueira porque simplesmente foi assessor do presidente. O Poder Judiciário tem que julgar. É um oficial brilhante, cumpria ordens, exerce um cargo muito delicado que eu já exerci. Então, temos que ir com muita calma nessa hora”.

A entrevista é de 22 de janeiro. No dia 3 de maio Mauro Cid estava preso por suspeita de envolvimento na fraude do cartão da vacina de Bolsonaro.

E ainda enfrentava as denúncias sobre a participação na gestão dos dinheirinhos de Bolsonaro e Michelle e no caso das joias das arábias.

O resto todo mundo sabe, até os fatos mais recentes que envolvem Cid em mais uma tramoia golpista, dessa vez em conversas com o coronel Jean Lawand Junior, então subchefe do Estado Maior do Exército, logo depois da eleição.

Sabemos quase tudo o que o oficial brilhante fez de ilegal, na ajudância de ordens do chefe. Mas não sabemos o que Azevedo e Silva sabia ou não sabia disso tudo.

Falta um oficial de ponta que nos conte o que vamos sabendo pelos subalternos.

Azevedo e Silva conviveu com o poder dentro do Supremo. Chefiou a Defesa e sobrevoou atos golpistas em helicóptero camuflado das Forças Armadas ao lado de Bolsonaro.

Foi chamado por Edson Fachin e Alexandre de Moraes para alertar Bolsonaro e os militares de que eles não deveriam mexer com a eleição.

Desistiu do enfrentamento, afastou-se dos publicamente dos políticos e voltou a falar para defender um militar que começava a se enredar em rolos grandes.

Não há outro militar, desde o golpe de 1964, envolvido em tantas ações provadas contra a democracia quanto o coronel Mauro Cid.

Os generais que afrontaram Geisel e Figueiredo, incluindo o episódio da bomba do Riocentro, conspiravam contra as intenções ‘liberalizantes’ da própria ditadura, e não necessariamente contra a democracia, que nem existia.

Mas Mauro Cid conspirou, com a ajuda de muita gente, contra a eleição, contra a posse de Lula, contra as instituições e contra a democracia.

Em tempos de normalidade, mesmo que seja uma normalidade precária, não há outro caso semelhante de envolvimento explícito com uma tentativa de golpe.

E Mauro Cid era, como disse Azevedo e Silva, um oficial submetido a um comando, porque “recebia ordens, diretrizes do presidente”.

Azevedo e Silva sabia que era importante dizer: Mauro Cid fazia o que Bolsonaro mandava. E exercia um cargo muito delicado, que ele conhecia bem.

Mas errou no detalhe em que deprecia a ajudância de Cid, ao dizer que o coronel não poderia ser julgado previamente por ter sido “simplesmente” assessor do presidente.

Um ajudante de Bolsonaro não seria nunca simplesmente um ajudante. Nem que estivesse envolvido no simples pagamento das contas de Michelle, na tentativa de recambiar as joias e na fraude do cartão de vacina.

Mauro Cid era a esponja do golpe, talvez a mais importante de todas, a que absorvia todas as conversas, articulações, planos e besteiras ditas sob incitação de Bolsonaro.

E o que sabia o mais bem informado general brasileiro do que ainda não sabemos? O general que mais circulou no poder, mais entendia as manobras da política. Esse general não sabia de nada?

Sabia apenas que Mauro Cid era brilhante e o que mais? Sabia, como sabemos agora, pelo vazamento das mensagens do coronel Lawand, que o apelido do ajudante era Cidão?

Azevedo e Silva, com seu histórico no poder, sabia que os humores do golpe passavam por Cidão?

Como sugere nas conversas o general Lawand, os destinos do Brasil chegaram mesmo a estar nas mãos de Cidão?

Publicado originalmente no Blog do Moisés Mendes

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