Publicado originalmente na DW.
Após ter governado entre 2006 e 2010, a socialista Michelle Bachelet volta nesta terça-feira (10/03) à Presidência do Chile com o desafio de dar uma resposta às demandas sociais, sobretudo às dos estudantes, e de superar quatro baixas sofridas por seu Gabinete antes mesmo da posse.
A mobilização estudantil começou um ano após Bachelet deixar o poder e logo se tornou um dos protestos mais intensos desde a volta do Chile à democracia. E o mérito da presidente em sua campanha foi justamente ter incorporado – ao menos através de promessas – parte das reivindicações das ruas.
Para seus primeiros cem dias de governo, ela elaborou os “50 compromissos para melhorar a qualidade de vida de todos no Chile”, que incluem desde a criação de um Ministério da Mulher e dos Assuntos Indígenas até o que chamou de a “Grande Reforma Educativa”, proposta que pretende enviar logo ao Congresso.
A relação com os movimentos sociais, porém, é complexa. E derrubou duas das vice-ministras designadas por Bachelet antes mesmo de assumirem o cargo. No sábado (08/03), renunciou Carolina Echeverría, da Secretaria de Defesa, após ser questionada por associações de direitos humanos pelo vínculo de seu pai com a ditadura.
Antes dela, Claudia Peirano, que havia sido indicada para a Subsecretaria de Educação, deixou o cargo após ser questionada pelo movimento estudantil por não apoiar a gratuidade plena do sistema. As outras duas baixas foram a de Hugo Lara, subsecretário de Agricultura que enfrenta processo por delitos econômicos; e de Miguel Moreno, do Ministério de Bens Nacionais, condenado por molestar uma mulher no metrô.
Obstáculos
Pôr em prática o que pretende não será tarefa fácil para Bachelet, que prometeu, além de tornar o sistema educacional totalmente gratuito, aumentar de forma progressiva os impostos das empresas para arrecadar mais de 8 bilhões de dólares e reformar a Constituição.
Mesmo com uma base governista que conta com 67 deputados e 21 senadores – contra, respectivamente, 49 e 16 da oposição –, Bachelet terá que negociar a aprovação de parte de seu programa de campanha com a oposição.
A presidente não deverá ter problemas para aprovar a reforma tributária – que precisa de 61 votos na Câmara e 20 no Senado. Porém, para a reforma da Educação (69 deputados e 22 senadores) e para a reforma constitucional (80 deputados e 25 senadores), Bachelet terá que garantir o apoio da futura base governista e de deputados independentes e senadores simpáticos às causas.
“Bachelet tem uma agenda mais ousada e menos clareza se vai conseguir bases políticas para aprovar as reformas. Ao mesmo tempo, ela tem uma força na sociedade, que chancelou a vitória nas urnas”, afirma o cientista político Valeriano Costa, da Unicamp. “Esse é um cenário interessante, já que o Chile é um país de política estável e clara quanto à competição dos diferentes grupos políticos. Essa clareza traz certa estabilidade e, também, dificuldades de realizar mudanças.”
Ao passo que tenta aprovar os projetos, a presidente deverá estar sobre constante pressão. Por um lado, os estudantes prometem não descansar enquanto as medidas – principalmente a educação gratuita – não forem implementadas. Por outro, os oposicionistas deverão tentar barrar a aprovação das promessas de Bachelet e fazer de tudo para enfraquecer o governo de centro-esquerda.
Políticas sociais
Apesar de o Chile ser tido como um país-modelo na América do Sul em relação ao desenvolvimento econômico, as políticas sociais das últimas duas décadas não acompanharam o crescimento. Um dos exemplos é o sistema educacional, que foi privatizado durante o regime de Augusto Pinochet (1973-1990), e hoje centra as reivindicações dos jovens.
Famílias chegam a contrair dívidas de milhares de pesos chilenos para pagar a educação de seus filhos, mesmo que eles estudem em universidades estatais – já que a educação, no país, é administrada por parcerias público-privadas. As universidades públicas chegam às vezes a cobrar mensalidades mais altas do que as instituições privadas.
A economia chilena cresceu em média 5,6% durante os quatro anos do governo Sebastián Piñera, mas apesar de ter reduzido levemente as desigualdades sociais, não foi suficiente para mudar o panorama geral. Segundo um estudo de 2013 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a renda dos 10% mais ricos no país é 27 vezes maior do que a dos 10% mais pobres. Entre as 34 economias da entidade, a chilena aparece em último lugar no ranking.
“O modelo do ponto de vista econômico trouxe consequências muito positivas para o país”, afirma José Niemeyer, coordenador da graduação em Relações Internacionais do Ibmec/RJ. “Mas uma sociedade não vive só de desenvolvimento econômico, é necessário desenvolvimento político e social. O Chile tem muitas reformas a fazer para se obter um progresso social.”
Mesmo que a presidente não tenha feito muito para reduzir a desigualdade em seu primeiro mandato (2006-2010), a candidata já deixa claro antes de seguir para o segundo que o plano para tentar tornar mais igual a sociedade está traçado, mesmo que um aumento de impostos para empresas possa de alguma forma influenciar o desenvolvimento econômico.
“Fomos capazes de reduzir a pobreza, aumentar a mobilidade social e melhorar as condições de vida. Mas a desigualdade ainda é um desafio”, disse Bachelet em recente entrevista ao jornal “Washington Post”.