Publicado originalmente em “O Cafezinho”
Por Miguel do Rosário
Se deixarmos de lado, as paixões partidárias e ideológicas, e fizermos um balanço geral das eleições municipais realizadas no último domingo, o saldo é positivo para o país.
O processo democrático foi mais uma vez reafirmado. Houve recuperação – tímida, é verdade, mas houve – de alguns partidos de esquerda, como PT e PSB.
A extrema direita foi contida em cidades estratégicas, como Rio, São Paulo e Recife, por exemplo. O PL cresceu bastante, mas ficou muito longe de exercer qualquer hegemonia ou mesmo liderança.
Caso o PL ganhe Fortaleza no segundo turno, terá uma vitrine importante no Nordeste, mas terá antes, por óbvio, que exibir uma boa administração.
Aliás, toda essa história de vitória da direita às vezes esquece esse detalhe: uma coisa é ganhar eleições, outra muito diferente é fazer governos que despertem a admiração do povo. Um prefeito extremista, à diferença de um presidente da república, teria alguma dificuldade em gastar as horas de trabalho fazendo motociatas.
Sobre o avanço do “centrão” nas prefeituras, a expressão é tão superficial que, a meu ver, já se tornou vulgar e preconceituosa.
O crescimento de partidos de centro, como MDB e PSD, pode ser lido como um esforço do sistema político brasileiro de isolar a extrema direita e o bolsonarismo.
Sejamos francos, um prefeito do PSD ou MDB pode ser tão ou mais de “esquerda” que um do PT, PSB ou PDT. Sem contar que, a depender das circunstâncias, como o nível de apoio dos vereadores, da opinião pública e das forças econômicas e sociais da cidade, além do grau de desenvolvimento real da região, ele pode ser tão bom ou ruim, como qualquer prefeito filiado a uma legenda de esquerda.
Deixemos de ufanismo partidário bobo.
Ser do PT, PSB, PDT, PCdoB ou PSOL não é garantia de fazer uma boa gestão, vide o caso do prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, que é do PSOL, e fez uma das gestões pior avaliadas do pais.
O PSOL, a propósito, registrou queda no número de prefeitos e vereadores. Mas não é de hoje que o partido tem dificuldades, por assim dizer, estruturais para jogar o jogo das eleições majoritárias. E isso por conta de problemas políticos sobre o qual podemos discorrer em outra oportunidade. A exceção é Guilherme Boulos, que é uma liderança política com luz muito própria, e que mesmo assim enfrentará um enorme desafio para vencer o segundo turno contra Ricardo Nunes. De qualquer forma, o PSOL conquistou uma boa quantidade de cadeiras legislativas nas capitais. Não pode chorar de barriga cheia.
A análise de um “cirista” de que o declínio do PSOL seria o preço por ser “puxadinho” do PT é risível, porque o PSB cresceu vigorosamente como aliado petista, e o PDT foi o partido que mais perdeu prefeituras e vereadores por conta da contaminação tóxica do antipetismo virulento e irracional de Ciro Gomes, vice-presidente nacional da legenda e ex-candidato a presidência da república.
O caso do PCdoB é singular. O partido ainda sofre, por incrível que pareça, com a ressaca da guerra fria. Residente na periferia do império, o eleitor brasileiro continua recebendo, até hoje, conteúdo pesadamente anticomunista, atiçado nos últimos anos pela emergência da China, e isso não ajuda a legenda a construir alianças e conquistar novos eleitores. Ademais, o partido perdeu Flavio Dino e o governo do Maranhão, fazendo com que um número enorme de prefeitos e quadros políticos do partido, naquele estado, migrassem para o PSB e outras legendas. Mesmo assim, com todas as dificuldades, o partido segue firme e vivo, ainda mais porque integra, juntamente com o PV, a federação partidária do PT, de maneira que todas as prefeituras do PT também são, de alguma maneira, uma vitória comunista.
Em relação ao governo federal e ao presidente Lula, é fácil entender porque ele evitou se envolver demais nas campanhas municipais. A governabilidade estava em jogo, especialmente a relação de Lula com os partidos de centro, notadamente PSD, MDB e União Brasil, que integram o governo e fazem parte da base no congresso.
A estabilidade política que emergiu de um processo eleitoral tranquilo, que mostrou um país ideologicamente diverso e equilibrado, com todos os grandes partidos conquistando um número razoável de prefeituras e vereanças, é positiva para o governo Lula.
O governo tem bom diálogo com os partidos de centro, e o crescimento destes permitirá que não fiquem reféns da extrema direita e de Bolsonaro, como já ficaram no passado, de maneira que Lula poderá conduzir sem sobressaltos a metade final de sua administração, desde que esse diálogo não seja rompido por um golpe ou coisa parecida.
Mais importante ainda: o resultado das eleições municipais não sinaliza nenhuma mudança drástica no cenário que se projeta para 2026. Quer dizer, Lula terá que enfrentar o desafio, mais uma vez, de conquistar o centro político, e possivelmente este centro, menos dependente de Bolsonaro, poderá encontrar um candidato próprio mais competitivo do que tiveram em 2022 (quando escolheram Alckmin). Talvez prefiram Tarcísio de Freitas ou Ronaldo Caiado, ou pelo menos isso não seria surpresa. Mas isso está na conta, não é mudança de cenário, e não tira o favoritismo de Lula para sua reeleição, ou pelo menos não enquanto a economia continuar indo bem.
O Brasil ainda vive desafios gigantes, e francamente não considero que o maior deles seja simplesmente elevar o número de prefeituras do PT ou de outras legendas de esquerda. Até porque essa esquerda apresenta tantas deficiências programáticas, que o principal desafio é fazer com que ela, antes de crescer em prefeituras, apresente um projeto realmente novo para o país, capaz de mobilizar as massas e entusiasmar as camadas médias. Volto a insistir na mobilidade urbana, uma questão estrutural que poderia ajudar as cidades a enfrentar diversos desafios, incluindo a segurança pública, saúde, educação e emprego.