“Bebê Rena”: por que um pacto sinistro com a obsessão virou hit da Netflix

Atualizado em 30 de abril de 2024 às 17:41
Cena de “Bebê Rena”, da Netflix

O ódio é a recompensa da ira dos derrotados  em uma sociedade excludente e individualista ao extremo, a segurança afetiva é o pilar de sustentação da existência humana.

O mega hit do streaming, a série “Bebê Rena” da Netflix, prova por A+B que essas premissas de análise comportamental são de fato uma realidade.

O retrato do abuso e psicopatias registrados na história verídica vividos e retratados por Richard Gadd sendo abusado por uma notória stalker são a linha mestra da série de sete episódios.

O que chama atenção dessa produção de sucesso é o fato de ela ser inspirada em uma experiência real vivida pelo criador, roteirista, produtor e protagonista, que viveu este drama entre 2015 e 2017.

O que fica no ar é: será mesmo tudo verídico e comprovado na  linha do tempo em exposição nua e crua na minissérie? Quem era mais doente? A stalker ou a vítima que permite o abuso e de certa maneira se alimenta dessa “atenção às avessas”?!!

Ele, aspirante a comediante e frágil personagem na selvagem máquina de enlouquecer que é o mundo das redes sociais. Gadd conta que, durante os três anos em que foi perseguido pela verdadeira Martha, recebeu 41 mil e-mails, 350 horas de mensagens de voz, 744 tuítes, 46 mensagens no Facebook e 106 páginas de cartas.

“O esqueleto da história é absolutamente verdadeiro”, declarou ao The Guardian. No entanto, Gadd admitiu que a história não era tão “morbidamente emocionante” na vida real: “Os sentimentos que você mais tem, quando está sendo assediado, são de tédio e frustração implacáveis. Eu não queria que o público sentisse isso”.

“Bebê Rena”, antes de virar série, foi tema de um espetáculo de comédia apresentado por Richard Gadd em 2019. A temporada de sucesso foi interrompida, no entanto, pela pandemia de Covid-19.

Temos as atuações de Jessica Gunning como Martha Scott, sua stalker, e do próprio Gadd encarnado em seu personagem Donny Dunn, impecáveis, em retrato dos transtornos e limitações psicoafetivas dos protagonistas.

Ao mesmo tempo em que tenta se livrar da obsessiva, ele é confrontado com traumas do passado que vêm à tona no desenrolar de sua trágica existência, como assédio e abuso sexual, que passam a fazer parte desse enredo, nos justificando em parte suas carências e auto-sabotagem.

Martha e Dunn são um casal improvável de extrema carência,  em elocubrações fantasiosas. Na vida real, a perseguidora deu vários presentes para Gadd, como uma rena de brinquedo, remédios para dormir, roupas íntimas e um chapéu de lã.

O criador pede para que fãs não busquem a stalker real pois isso virou uma febre e assunto muito difundido nas redes após o lançamento da série. Ela ficou famosa e diz que processará Gadd e a Netflix.

“Pessoas que amo, com quem trabalhei e admiro estão injustamente sendo envolvidas em especulações. Por favor, não especule sobre quem poderia ser qualquer uma das pessoas da vida real. Esse não é o objetivo da nossa série”, pede Gadd aos detetives digitais.

Richard Gadd não processou sua perseguidora. Ele, no entanto, prefere não entrar em detalhes e considera o assunto como algo totalmente resolvido, uma página trágica que teve de virar para seguir a vida.

Em entrevista à BBC escocesa, Jessica Gunning fez o mesmo apelo. “Se você gosta e é fã da série, deveria continuar com a história de Martha e Donny sendo o que conecta você, sem tentar fazer nenhum trabalho de detetive nem descobrir quaisquer identidades reais”, disse. “Não há bonzinho, vilão, vilão ou vítima, na verdade. Eles são apenas pessoas complicadas, como todo humano”, declarou. “Eu nunca pensei na série como uma história de stalker/vítima”, declarou ao programa The Edit, da BBC.

“Desde o momento em que li o roteiro, eu me relacionei e me conectei com ela (Martha) e eu acho que isso se deve ao quão bem Richard escreveu os personagens dela e de Donny (o protagonista)”.

A série é dinâmica, bem filmada, tem fotografias espertas, com trilha sonora interessante e retrô em seu roteiro bem amarrado, gerando engajamento pois a curiosidade e o vasculhar da vida alheia e suas misérias tem espaço garantido cada dia maior nas redes, em que se cancelam vidas em um piscar de olhos. A tragédia alheia sempre foi um sucesso de público.