O homem que foi a grande surpresa nas eleições italianas acha que sua mensagem pode conquistar espanhois e portugueses, entre outros povos.
O artigo abaixo foi publicado, originalmente, no site Presseurop.
Beppe Grillo tem um objetivo: a Europa. Enquanto a política italiana luta para se recompor do terremoto que acaba de a sacudi-la, o líder do Movimento 5 Estrelas voa em pensamento para lá das fronteiras da Itália. Agora, o seu objetivo declarado é exportar a sua experiência para outros países europeus onde a crise política e econômica é semelhante à da Itália.
“Não podemos pensar que fizemos tudo isto para, agora, pararmos aqui, em Roma. Temos de ir mais longe e o nosso objetivo é Estrasburgo, em 2014, o Parlamento Europeu. Porque há uma necessidade semelhante à da Itália e porque, se nós tomarmos conta da Europa, haverá uma mudança completamente determinante para a nossa época”, declarou ele aos seus partidários.
Pretenioso ou visionário? Nas últimas semanas, o objetivo tornou-se muito mais concreto desde que as discussões na rede social Meetup se estenderam para lá das fronteiras e das línguas. Uma “revolução”, dizem os participantes, “uma espécie de maio de 68 que tem por vetor a rede”. “Estamos apenas acomeçando”, explicam Grillo e os seus partidários a quem os ouve por estes dias e que não são tantos quantos se possa imaginar: o Movimento 5 Estrelas (M5S) tem contatos, sobretudo, nos países de Leste – na Eslováquia, na Roménia, na Bulgária. Mas os seus olhares se estendem sobretudo para a Grécia, Espanha e Portugal: “É nesse sentido que digo que estamos apenas a começar”.
Os temas do movimento são sobretudo o meio ambiente e a falta de crescimento. Os grupos visados são os Indignados, mas também os Verdes alemães. Nada de extremismos de direita ou de esquerda, do gênero dos gregos da Aurora Dourada ou do SYRIZA, ou da FN em França. Mas, sobretudo, como na Itália, esses milhões de cidadãos mais ligados por lutas comuns do que por ideologias, europeus que, até agora, não encontraram uma “casa” política que os junte. Tal como na Itália, os moderados, os jovens, mas não só. “É evidente que o nome ‘5 Estrelas’ não será reivindicado mas os programas e os métodos de ação são exatamente os mesmos. Encontrarão os seus representantes em cada país.”
Na Europa, a imprensa continua dividida sobre Grillo. Manuel Castells, em La Vanguardia, escreve que “o caráter experimental desse projeto, por oposição à política tradicional, é muito claro. Foi apoiado por milhões de pessoas e por grande parte dos jovens que se identificam com o desejo de sair do impasse das manipulações e da opacidade engendradas pela delegação de poderes. Ora, esse sentimento de distância crescente entre as sociedades civis e as instituições políticas também se faz sentir em Espanha”.
A Espanha é, justamente, um dos pontos de partida do que poderá ser a propagação das ideias do M5S na Europa. No dia 15 de outubro de 2011, as ruas e as praças encheram-se de jovens que exigiam um mundo novo. Eram os Indignados espanhóis, os Indignés franceses ou os Ocupe Wall Street americanos. Eram milhares. Na Itália, houve algumas lojas pilhadas, a polícia deu umas bastonadas aqui e ali e depois, mais nada.
Em que é que se tornaram esses manifestantes? Nunca mais os ouvimos, mas eles espalharam-se pelas redes sociais, à espera de se organizarem novamente. A Itália, o país que interpreta sempre todos os fenômenos políticos de uma maneira muito própria, não se reviu nos Indignados que saíram à rua, mas sim num movimento que queria entrar nas instituições. Foi o que fez. Hoje, o novo desafio é tornar-se vetor de uma linguagem comum que una o movimento através da Europa e para além dela e que, como dizem os amigos de Beppe Grillo, seja construtivo. Radical nos discursos, mas respeitador das instituições.
“Nenhuma hospitalidade”, dizem os seus simpatizantes, “nem aos extremistas, nem aos racistas porque os ‘vaffanculo’ [que se lixe] e os ‘vão-se embora!’ não servem para nada. Está na hora de entrar no Parlamento”. E acrescentam: “Está em curso uma mudança completa da situação política contemporânea e isso para uma recuperação dos valores da política”.
No exterior, as reações são muito diferentes. “A Itália não trouxe apenas os palhaços”, diz Jonathan Hopkin, professor de Política Comparada e Assuntos Internacionais na London School of Economics. Responde firmemente à revista Economist que viu no avanço de Grillo e no enésimo regresso de Berlusconi um lamentável dueto de comédia, à italiana. “Isto não é apenas um desafio lançado contra a política de austeridade, mas também contra o tradicional sistema de partidos. A crise econômica contribuiu para isso, mas a ofensiva de Grillo contra uma classe política corrupta e egoísta já estava no ar antes do início do declínio”, diz Hopkin: “Em toda a Europa, a adesão aos partidos políticos está no seu nível mais baixo desde a Segunda Guerra Mundial. A Itália pode abrir caminho a uma mudança que diz respeito a toda a Europa”.
Nunca até hoje um partido contra a austeridade tinha conseguido ganhar as eleições num país europeu, não depois da grande crise econômica ter desembarcado no velho continente. A Espanha de Mariano Rajoy e o Portugal de Pedro Passos Coelho são alguns dos Estados onde o rigor sempre foi a regra. Apenas há uma semana o primeiro-ministro português escreveu um longo post no seu Facebook, que assinou apenas como Pedro, pedindo mais uma vez ao seu povo para fazer sacrifícios. Recebeu mais de 36 mil respostas e uma delas, citando o antigo presidente americano Ronald Reagan, ganhou especial destaque: “Não espere que a solução venha do governo. O governo é o problema”.
O cansaço é profundo nos países da Europa onde há anos se pede para apertar os cintos. A proposta do Movimento 5 Estrelas é a criação de uma União Europeia que saiba explicar-se claramente aos seus cidadãos. “Eu nunca disse”, afirma Grillo, “que quero estar dentro ou fora do euro. O que eu quero são informações corretas. Quero um plano B, um plano de sobrevivência para os próximos dez anos. Depois, por referendo, decidiremos. Primeiro, é preciso informar: tentarmos compreender quais são os custos e os benefícios. Mal eu sugeri isto, começaram logo a dizer: ‘Você é um demagogo, um louco, quer levar a Itália à falência, é um irresponsável’. Só porque eu disse que era preciso estudar essa hipótese”.
Mas essa ideia une muitos italianos e muitos europeus que olham para a União Europeia como qualquer coisa de longínquo, perdida de vista lá para cima, na Assembleia de Bruxelas ou no Parlamento de Estrasburgo. E esta nova tentativa de diálogo à italiana pode agradar a muitos. Assim, numa altura em que toda a gente olha com preocupação para o parlamento italiano, há quem já esteja a pensar nas eleições europeias. Encontro marcado para 2014.