Participei de um encontro do ministro Ricardo Berzoini com blogueiros, na noite de sexta-feira, em São Paulo.
O local foi o apartamento de Renato Rovai, da revista Fórum, na Vila Madalena. É um apartamento agradável, bonito, numa das áreas mais interessantes de São Paulo.
Rovai tinha providenciado frios e pães variados para a turma, além de bons vinhos para enfrentar o frio do inverno paulistano. “Eis a esquerda caviar”, brinquei ao chegar.
Pausa: enquanto o mundo discute o livro de Tomas Pikkety sobre a desigualdade, no Brasil a direita consome, avidamente, “A Esquerda Caviar”, a obra pedestre de Rodrigo Constantino, um dos expoentes do reacionarismo for dummies.
Berzoini é o responsável pela articulação política do governo, um cargo especialmente importante depois das dificuldades enfrentadas por Dilma com rebeldes do PBMD.
Rovai tenta organizar a conversa, coisa nada fácil quando você tem um grupo de jornalistas ávidos por fazer perguntas. “É o Augusto Nunes do bem”, penso. Adicionalmente, a atenção de Rovai é reclamada por Luca, seu filho de quatro meses.
Luca se juntou à turma depois que seus gritos foram registrados por uma máquina que estava no quarto. “Olha aí os protestos”, brincou Berzoini, o único entre os presentes com paletó e gravata.
A coisa mais importante no encontro, em minha avaliação, é o gesto em si. É uma espécie de continuação da entrevista que Lula concedeu, recentemente, a blogueiros.
O que isso representa: o reconhecimento do governo da importância da internet para o pluralismo da mídia brasileira.
A mídia tradicional brasileira é, a rigor, uma orquestra com uma nota só. É toda ela conservadora, ainda que em diferentes medidas. A Veja é a publicação mais abertamente de direita e a Folha a mais disfarçadamente.
No conjunto, como escrevi algumas vezes, a mídia é a voz do 1%.
Nunca, em todos estes anos pós-ditadura, a mídia fez uma campanha contra o maior mal do Brasil – a desigualdade social. Isto mostra seu espírito, seus interesses e seu foco.
Reflito comigo quando Dilma irá conceder uma entrevista aos blogueiros. Será também um passo importante no reconhecimento da internet como fonte de pluralismo no panorama do jornalismo brasileiro.
A conversa com Berzoini abrange variados assuntos. Um deles é o Palmeiras, seu time. Berzoini comenta que nunca viu um Palmeiras tão ruim, e eu sou obrigado a concordar, como corintiano isento.
Joaquim Barbosa é também alvo de breves considerações. “Tem futuro na política?”, pergunto. Berzoini diz que ele não tem exatamente um temperamento propício à política, com seu autoritarismo e imensa dificuldade em aceitar opiniões diferentes.
“Mas se ele declarar apoio a algum candidato, isso terá algum impacto”, admite ele.
O assunto que mais mobiliza as pessoas no apartamento de Rovai é a mídia. Mais especificamente, a regulação da mídia.
Berzoini é francamente a favor.
Venho tratando disso com frequência no DCM, por entender que qualquer sociedade avançada tem que regular sua mídia, pelo bem dos cidadãos.
O modelo atual é bom apenas para as grandes empresas de mídia. Elas têm imensas vantagens e privilégios – de isenção de impostos para a compra de papel até uma absurda reserva de mercado – e pouquíssimos deveres.
Não têm nem que garantir direito de resposta quando assassinam uma reputação injustamente.
Na Inglaterra, décadas atrás, o estadista Stanley Baldwin fez uma declaração que entrou para a antologia britânica das frases memoráveis. Ele estava sendo perseguido pelos jornais de barões da mídia como Lorde Beaverbrook e Lorde Rothermere, aos quais acusou de desfrutar de “poder sem responsabilidade, prerrogativa, ao longo dos tempos, das meretrizes”.
Foi uma guinada na maneira como os britânicos enxergavam e tratavam seus barões da mídia, e não surpreende que Baldwin ainda hoje seja lembrado por aquelas palavras.
De certa forma, vivemos no Brasil uma situação pré-Baldwin.
Berzoini faz questão de lembrar que sua posição a favor da regulação não significa que o tema vá ser incorporado por Dilma em sua campanha para a reeleição.
Até aqui, Dilma nada disse, e existem registros de frases pretéritas dela na linha que afirma que o controle remoto resolve o problema.
(Dias atrás, Eduardo Campos disse isso. Só faltou dizer: “Cansado do Jornal Nacional? Ora, mude para a Globonews. Não quer ouvir Reinaldo Azevedo na Jovem Pan? Ouça Jabor na CBN.”)
Berzoini diz que, para que a regulação da mídia se concretize, é importante que a sociedade se mobilize.
Concordo e não concordo, ao mesmo tempo, apoiado no exemplo da Inglaterra.
Sim, é verdade que a sociedade se mobilizou para exigir uma nova regulação na mídia inglesa depois que um tabloide de Murdoch invadiu a caixa postal de uma adolescente sequestrada (e assassinada).
Foi tal a fúria da opinião pública que em uma semana o tabloide estava fechado, e é fato que desde então o poder de Murdoch simplesmente desapareceu no mundo político e econômico da Inglaterra.
Mas no Brasil uma mobilização daquela natureza é impossível – pela manipulação promovida ao longo de décadas pelas grandes empresas de mídia na opinião pública com seu monopólio da voz.
A opinião pública inglesa é forjada por diferentes vozes – Murdoch e seu conservadorismo não estão sozinhos. Para ficar em alguns exemplos, você tem o Guardian, à esquerda. Tem a BBC, ao centro.
Disso resulta uma opinião pública que, ao contrário do Brasil, não é manipulada por um grupo específico.
No Brasil como ele é, é utópico imaginar uma mobilização ao estilo que levou a Inglaterra a rediscutir as regras para a mídia.
Vai ser necessário um ato de vontade do Executivo. E aí, para entender o quadro, você tira os olhos da Inglaterra e passa para a Argentina de Cristina Kirchner.
Por entender que o monopólio do Clarín era um horror para a sociedade, Cristina decidiu enfrentá-lo. As consequências foram as previsíveis. Cristina foi perseguida encarniçadamente pela força multimídia do grupo Clarín.
Mas não se intimidou, não recuou, não se acovardou. A seu modo, agiu como Stanley Baldwin – e, como ele, entrou para a história.