Em 11 de setembro de 2001 eu desembarcava pela manhã no aeroporto de Recife para participar de um congresso de economistas. Dirigi-me à saída procurando um táxi e passei em frente de uma agência de viagem. De repente ouvi uma mulher gritando, apavorada, ao telefone: “Estão bombardeando Nova Iorque”. Minhas veias gelaram. Quem teria a ousadia de bombardear Nova Iorque? Acaso estava começando uma nova guerra mundial? Afinal, a Guerra Fria fora vencida pelos EUA. Acabara.
Segui de táxi para o hotel com o coração na mão. Ao chegar, imediatamente liguei a televisão. Vi então a cena que, na atual rememoração de 20 anos do ataque, tornou-se lugar comum: as duas torres desabando. Os narradores já reconheciam que era um atentado terrorista. Até certo ponto me tranquilizei. Então não era uma guerra entre Estados. Era a guerra de alguns indivíduos contra o Estado econômica e militarmente mais poderoso da terra. Quais seriam as consequências disso, porém?
Sou jornalista e escritor de mais de 25 livros em várias áreas das ciências humanas, os principais de Economia Política. A única coisa que me ocorreu naquele momento foram conjecturas sobre os efeitos do ataque. Claro que não se falava ainda em Al Qaeda ou Bin Laden. Ninguém sabia os autores. Entretanto, sozinho no quarto do hotel, os olhos fixos na televisão, começou a ser formulado na minha mente o projeto de uma livro sobre as consequências do terrível evento.
Foi assim que nasceu “O Atentado da Nova Era”, que escrevi em 20 dias, publicado em um mês. Tratava das consequências econômicas, sociais, políticas, militares e morais do ataque terrorista. Era óbvio que o mundo teria de mudar daí em diante. Nenhum grupo poderia impor humilhação tão grande à maior potência militar do planeta sem consequências terríveis, que se estenderiam ao mundo inteiro. E a potência militar, quaisquer que fossem as causas, certamente reagiria militarmente.
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A causa de todas as causas era a desigualdade brutal que divide nações e pessoas no mundo contemporâneo entre ricos e pobres, abastados e deserdados. Entretanto, isso jamais foi reconhecido pelos países mais ricos e mais poderosos. Senti que os tambores da guerra já ecoavam. Porém, contra quem? Naquela altura sabia-se que eram terroristas, e era óbvio que, pela natureza do atentado, só poderiam ser terroristas suicidas. Como vingar-se, militarmente, de terroristas suicidas?
A cega resposta norte-americana foi acionar seus sistemas de informação para tentar identificar o autor ou autores e sair caçando-os pelo mundo. Como o Afeganistão dos Talibãs era um santuário terrorista, a vingança teria que começar por ele. Calculei que seria frustrada, pois os Talibãs, que haviam expulsado os russos de seu território com ajuda e armas norte-americanas, resistiria à intervenção e não entregariam nenhum suspeito de livre vontade. Foi o que aconteceu.
O passo seguinte foi desencadear o segundo capítulo da guerra contra o terror com a invasão do Iraque, sob o pretexto falso de que desenvolvera e estocava armas de destruição em massa. Foi um passeio. O Iraque tinha um exército regular, e exércitos regulares são facilmente derrotados por potências militares. Naquela altura, já se sabia que o planejador do ataque ao World Trade Center era o muçulmano radical saudita Osama Bin Laden. Mas onde estaria ele?
O terror é filho da humilhação e do desespero. Assim se sentem dezenas de milhares de muçulmanos por conta das políticas intervencionistas históricas brutais dos ocidentais em suas nações. Não há também maior humilhação que a pobreza. Aí se situa a maior área de recrutamento de terroristas. Sem esperança, o terror é um meio para alcançar a dignidade pessoal, mesmo que seja ao preço da própria vida. Algum dia, pensei eu, os homens e os países ricos se verão inseguros por isso.
Demorou. Mesmo assim a lição não foi plenamente apreendida. No intervalo entre o atentado e o assassinato de Bin Laden no Paquistão, os Estados Unidos se meteram em várias guerras de outro tipo, no terreno geopolítico, para conquistar os espólios deixados no rastro da decomposição do império soviético. Os russos toleraram a estratégia norte-americana na Tchecoslováquia, na Iugoslávia, na Polônia e em outros países do Leste europeu. Entretanto, na Ucrânia ela esbarrou neles.
A estratégia americana consiste em mobilizar populações internas, em nome da democracia, dos direitos humanos e da liberdade, para se livrarem de governos simpáticos à Rússia. Contam para isso com falsas ONGs controladas pela CIA e pelos Departamento da Justiça e do Estado. A nova guerra tem cores de intervenção imperialista subterrânea: é principalmente o lawfare, que treina aliados do mundo jurídico interno para inventar e combater falsos atos de corrupção. É a Lava Jato.
Recorrem também a movimentos de massa em países onde o povo, movido pela pobreza, é capaz de levantar-se contra qualquer governo a qualquer pretexto. Mobilizadas pelo Departamento de Estado comandado pela belicista Hillary Clinton, multidões promoveram a chamada Primavera Árabe para derrubar governos tradicionais aliados ou simpáticos aos russos em vários países da África. A Líbia foi destruída por uma rebelião caótica e seu líder tradicional, Kadafi, foi trucidado.
Como os Estados Unidos não cobram responsabilidade por seus atos geopolíticos, moveram multidões contra o governo egípcio, que mantinha boas relações com os russos. O governo caiu nas mãos da radical Irmandade Muçulmana. O país foi salvo pelo Exército, que anulou o lawfare contra o presidente deposto pela plebe, e restaurou a ordem. A Primavera Árabe deixou na miserável África um rastro de fogo, comandado pela belicista Clinton. Nenhuma ajuda. Só mentiras e levantes.
Assim não se vai combater nunca o terrorismo suicida. Sempre haverá vítimas da desigualdade extrema que preferirão a morte à humilhação. Terroristas suicidas. Os Estados Unidos aplicaram milhares de homens, vários serviços de informação e centenas de milhões de dólares para caçar um único homem que, ao final, escondia-se no Paquistão, um país supostamente aliado. E se enterraram até o pescoço no Afeganistão, onde foram derrotados pela guerrilha mais feroz do mundo.
É simbólica a retirada do Afeganistão no exato momento em que se comemoram 20 anos do atentado. Mas é trágico que Washington parece não ter aprendido nada. No discurso em que honrou as vítimas, Joe Biden não perdeu a oportunidade para fazer um discurso de teor belicista contra Rússia e China, nomeados diretamente. O momento agora é de enfrentá-los, disse ele. Enfrentar como? Pela guerra? Impossível, estamos na era nuclear. Pelo lawfare, improvável.
Foi tentado na Turquia, mas o governo reagiu brutalmente, mandando para a cadeia mais de 4 mil traidores internos da área jurídica que estavam preparando o golpe planejado por um clérigo muçulmano nos EUA. Na Ucrânia, em resposta a outro golpe num país de sua fronteira estratégica, a Rússia reagiu dividindo o país ao meio e incorporando a Criméia. A Síria se salva da intervenção americana, que para isso se aliou até com o Estado Islâmico, exclusivamente porque os russos suportam Assad.
Não há na estratégia norte-americana lugar para a compaixão. É ferro e fogo. Acumulam cadáveres e perdem guerras para guerrilheiros e terroristas desde o Vietnã. Mas não aprendem. Acham de forma recorrente que a força resolve. Não é bem assim. Os atentados de Nova Iorque e do Pentágono mostram que estamos numa nova era. Homens comuns, quando miseráveis e humilhados, podem desafiar Estados. Contra eles não há defesa possível. São ases da surpresa planejada e da ação fulminante.
Quanto ao enfrentamento com linguagem belicista da Rússia e da China, Joe Biden pode esquecer. A tradição autoritária dos governos orientais não os deixa vulneráveis aos movimentos de massa articulados pela CIA. Isso é coisa para o Brasil de Dilma. Além disso, esses dois países são pouco vulneráveis a provocações na forma de lawfare induzido do exterior. A contrainteligência de Moscou e Pequim funciona. Assim como as cadeias. Os EUA choram seus mortos. Mas Bin Laden vive.
Por J. Carlos de Assis