Black Friday, mas pode chamar de ultimate fight do idiota. Por Mauro Donato

Atualizado em 29 de novembro de 2015 às 10:00
Black Friday
Black Friday

 

Entre as imagens mais divulgadas para reforçar um sentimento anticomunista ou antisocialista, estão as enormes filas de pessoas aguardando sua vez de comprar o pão, tristonhas, sob a neve soviética.

As imagens de filas – ou outras aglomerações desordenadas – no aguardo da abertura das lojas para comprar tudo o que esteja ao alcance da mão podem ser interpretadas como a síntese do capitalismo.

Um vídeo que compila várias situações de brigas pelos produtos está circulando na internet. Ocorridas na última sexta-feira por ocasião da Black Friday, é um retrato fiel do ser humano que o capitalismo produz. Então é aquele o paradigma de civilização, de ‘primeiro mundo’?

Homens se espancam, mulheres se agarram pelos cabelos, as aberturas das portas são um show de individualismo, desrespeito, atropelo e pisoteamentos. Vemos uma mulher arrancar um produto das mãos de uma criança.

A impressão que se tem é que as pessoas nem sabem o que estão pegando. Agarram uma, duas, três unidades de alguma embalagem independentemente se têm necessidade daquilo ou não. Compram porque está em promoção e é assim que foram condicionadas a destinar seu dinheiro. Fruto de campanhas maciças que incutem o mantra “não pense, compre”.

A Black Friday acontece nos Estados Unidos sempre depois do Dia de Ação de Graças. O termo foi usado pela primeira vez em uma sexta-feira de 1869, quando dois especuladores tentaram dominar o mercado do ouro na Bolsa de Nova York. O governo foi obrigado a intervir elevando a oferta do metal, os preços caíram e muitos investidores perderam fortunas. Pela origem do termo já se vê que não teria como sair coisa boa.

Num mundo em que fazer o mercado girar é o mais importante de tudo, a conscientização deve vir depois, bem depois (aliás, bom mesmo é que não venha). É assim que se forma uma sociedade excessivamente consumista, disposta a sonegar impostos para aumentar seu poder aquisitivo e depois matar ou morrer pelo mais novo modelo de determinado celular.

É entristecedor ver o Brasil importar essa ‘tradição’. Marotamente, os publicitários brazucas não buscaram uma tradução para o português e assim o ‘Friday’ aqui dura da quarta-feira anterior até a segunda-feira seguinte. E é um sucesso, claro. Segundo dados da consultoria ClearSale, até às 16h de sexta-feira (27), a Black Friday brasileira movimentou R$ 785 milhões. Um crescimento de 129% em relação a 2014. De acordo com o levantamento foram realizados mais de um milhão e meio de pedidos via internet, um aumento de 82%.

Há uma frase recorrente entre os defensores do sistema que procuram atenuar sua aspereza: “O capitalismo é o pior regime, excetuando-se todos os outros”. Em outras palavras, para eles é melhor assistir a uma disputa por eletroeletrônicos a uma por comida. Contudo, dada sua orientação baseada no extrativismo e no lucro, o capitalismo pode estar próximo de proporcionar também a fila do pão.

Em setembro deste ano atingimos “o dia da ultrapassagem” (atenção publicitários, ‘the Earth overshoot day’). O planeta já não possui mais a capacidade de repor, por conta própria, o que é extraído. Para atender aos humanos, a Terra precisa de um ano e meio para produzir os recursos renováveis que lhe subtraímos durante um ano. Já estamos na perna descendente da curva.

A partir de agora, se continuarmos a ver essas cenas de ‘desespero’ para torrar dinheiro, logo estaremos sob a neve, tristonhos e famintos. Are you ready?