Há algo de podre no olhar de Rodrigo Bocardi.
Ele supôs, sem nenhum indício senão o próprio achismo, que um rapaz negro fosse gandula em vez de atleta do clube Pinheiros.
Ao dizer isso, o apresentador do Bom Dia São Paulo deixou transparecer uma das facetas mais cruéis do racismo estrutural: a delimitação dos espaços por onde negros podem circular.
Bocardi conversava ao vivo com um repórter em uma pauta sobre transporte público quando perguntou se o rapaz entrevistado iria “pegar bolinhas de tênis no Pinheiros”.
O rapaz, mais tarde identificado como Leonel Diaz, respondeu que é atleta de polo aquático no clube.
Não demorou para o trecho do BDSP se espalhar pelas redes sociais com acusações de racismo na pergunta de Bocardi. Críticas merecidas.
Afinal, é improvável que o apresentador fizesse a mesma pergunta se Leonel fosse um rapaz de pele branca, cabelos lisos e olhos claros.
Ao ver um rapaz negro com o uniforme de um clube frequentado pela elite, Bocardi imediatamente o associou a um funcionário. Fez isso com naturalidade, amparado pelas normas não escritas que ditam os espaços onde negros podem ou não frequentar.
Longe de ser um ato individual, a pergunta infeliz de Bocardi é fruto da estrutura racista em que ele e o povo brasileiro estão inseridos. Conforme explica o professor e pesquisador Sílvio Almeida no livro Racismo Estrutural, “comportamentos individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção”.
O comportamento de Bocardi provocou uma gafe, talvez tenha ofendido o atleta. Mas olhares semelhantes ao dele podem ter consequências bem mais graves.
A mesma lógica do olhar de Bocardi está no cerne da truculência policial, em alguns casos autorizada formalmente, como revela um documento de anos atrás com orientações do comando de uma unidade da Polícia Militar em Campinas para que os policiais intensificassem as abordagens a “indivíduos de cor parda e negra”.
Agressões físicas e verbais de um PM da Bahia a um jovem com black power, nesta semana, ou chacinas como a de Costa Barros, no Rio de Janeiro, são consequências extremas dos olhares viciados pelo racismo estrutural, condicionados a associar corpos negros à violência ou a situações de pobreza e vulnerabilidade.
“O racismo estabelecerá a linha divisória entre superiores e inferiores, entre bons e maus, entre os grupos que merecem viver e os que merecem morrer, entre os que terão a vida prolongada e os que serão deixados para a morte, entre os que devem permanecer vivos e os que serão mortos”, escreveu Sílvio Almeida.
Bocardi pode nutrir respeito aos pegadores de bolas que o ajudam nas partidas de tênis, conforme mostrou em um vídeo que recuperou após a polêmica. Seu pedido de desculpas parece sincero.
Porém, a estrutura que o rodeia é racista, a ponto de um dos seus chefes ter escrito um livro em que nega a existência do racismo estrutural no Brasil. Isso faz com que ele saiba exatamente a cor da pele de quem pode viver e de quem pode morrer.