Bolsa de Lemann em Harvard, estágio na Veja, dinheiro sujo: Serra legou à filha Veronica um pesadelo

Atualizado em 4 de julho de 2020 às 10:54
Serra e a filha Veronica

Veronica Allende Serra virou notícia com a ação da Lava Jato na sexta, dia 3.

Ela e o pai, José Serra, desviaram ao menos R$ 40 milhões das obras do Rodoanel Sul em São Paulo e os transferiram para a Suíça, segundo denúncia do Ministério Público Federal.

“Realizaram numerosas transferências para dissimular a origem dos valores, e os mantiveram em uma conta de offshore controlada, de maneira oculta, por Veronica Serra até o final de 2014, quando foram transferidos para outra conta de titularidade oculta, na Suíça”, dizem as autoridades.

Serra sempre teve planos ambiciosos para ela. O estado de saúde dele se agravou muito depois que os rolos na Justiça se avolumaram e pegaram-na em cheio.

Em maio, Veronica mediou um debate com Lemann, seu padrinho, o homem mais rico do Brasil. 

Ele participou por videoconferência no Brazil Conference at Harvard & MIT, evento anual promovido por estudantes brasileiros em Boston, nos EUA, transmitido pelo Estadão, com o CEO da cervejaria venezuelana Polar, Lorenzo Mendoza.

Veronica Serra representava a Innova Capital, sua empresa.

A menina dos olhos de Serra é parte de um esquema milionário fundado por ele. Bons advogados darão um jeito de ninguém ir preso.

Mas o sonho desmoronou.

Paulo Nogueira escreveu sobre Veronica, o pai e as relações deles com o poder no DCM em 2015. Reproduzo um trecho:

Uma empresa de investimentos da qual ela é sócia comprou por 100 milhões reais 20% de uma sorveteria chamada Diletto.

Os sócios de Veronica são Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles. Lemann é o homem mais rico do Brasil. Daí a pergunta do Viomundo, e Marcel é um velho amigo e parceiro dele.

Lemann e Marcel, essencialmente, fizeram fortuna com cerveja. Compraram a envelhecida Brahma, no começo da década de 1980, e depois não pararam mais de adquirir cervejarias no Brasil e no mundo.

Se um dia o consumo de cerveja for cerceado como o de cigarro, Lemann e Marcel não terão muitas razões para erguer brindes.

Veronica se colocou no caminho de Lemann quando conseguiu dele uma bolsa de estudos para Harvard.

Eu a conheci mais ou menos naquela época. Eu era redator chefe da Exame, e Veronica durante algum tempo trabalhou na revista numa posição secundária.

Não tenho elementos para julgar se ela tinha talento para fazer uma carreira tão milionária.

Ela não me chamou a atenção em nenhum momento, e portanto jamais conversei mais detidamente com ela.

Mas ali, na Exame, ela já era um pequeno exemplo das relações perigosas entre políticos e empresários de mídia. Foi a amizade de Serra com a Abril que a colocou na Exame.

Veronica Serra nos tempos em que frequentava festas

Depois, Veronica ganhou de Lemann uma bolsa para Harvard. Lemann, lembro bem de conversas com ele, escolhia em geral gente humilde e brilhante para, como um mecenas, patrocinar mestrados em negócios na Harvard, onde estudara.

Não sei se Veronica se encaixava na categoria dos humildes ou dos brilhantes, ou de nenhuma das duas, ou em ambas. Conhecendo o mundo como ele é, suponho que ela tenha entrado na cota de exceções por Serra ser quem é, ou melhor, era.

Serra pareceu, no passado, ter grandes possibilidades de se tornar presidente. Numa coluna antológica na Veja, Diogo Mainardi começou um texto em janeiro de 2001 mais ou menos assim: “Exatamente daqui a um ano Serra estará subindo a rampa do Planalto”. (Os jornalistas circularam durante muito tempo esta coluna, como fonte de piada e escárnio.)

Cotas para excluídos são contestadas pela mídia, mas cotas para amigos são consideradas absolutamente normais, e portanto não são notícia.

Bem, Veronica agradou Lemann, a ponto de se tornar, depois de Harvard, sócia dele.

O nome dela apareceu em denúncias – cabalmente rechaçadas por ela – ligadas às privatizações da era tucana.

Tenho para mim que ela não precisaria fazer nada errado, uma vez que já caíra nas graças de Lemann, mas ainda assim, a vontade da mídia de investigar as denúncias, como tantas vezes se fez com o filho de Lula, foi nenhuma.

Veronica é da turma. Essa a explicação. Serra é amigo dos empresários de mídia. E mesmo Lemann, evidentemente, não ficaria muito feliz em ver a sócia exposta em denúncias.

Lemann é discreto, exemplarmente ausente dos holofotes. Mas sabe se movimentar quando interessa.

Uma vez, pedi aos editores da Época Negócios um perfil dele depois da compra de uma grande cervejaria estrangeira. Recomendei que os repórteres falassem com amigos, uma vez que ele não dá entrevistas.

Rapidamente recebi um telefonema de João Roberto Marinho, o Marinho que cuida de assuntos editoriais. João queria saber o que estávamos fazendo.

Lemann ligara a ele desgostoso. Também telefonara a seus amigos mais próximos recomendando que não falassem com os repórteres da revista. Ninguém falou, até mais tarde Lemann autorizá-los depois de ver os bons propósitos da reportagem. (…)