Bolsonaristas justificam Jair ter pego joias com fake de crucifixo de Lula. Por Leonardo Sakamoto

Atualizado em 16 de agosto de 2023 às 12:00
Crucifixo, presente pessoal recebido em 2003, retornou com Lula ao Palácio do Planalto
Imagem: Ricardo Stuckert

Leonardo Sakamoto

Não é verdade que o bolsonarismo está em silêncio completo diante do escândalo da transmutação das joias pertencentes ao patrimônio brasileiro em dólares para Jair. Há uma intensa produção de desinformação sobre o caso, com fakes que carecem de criatividade por já terem sido usadas (e desmentidas) pela Lava Jato. Entre elas, o crucifixo recebido por Lula.

Desde que foi revelado que o general Mauro Lourena Cid virou roleiro de lojinha “Compro Ouro” em Miami em nome da grandeza da fortuna do mito, as redes bolsonaristas vêm usando o velho “E o PT? E o Lula” para contrapor ao peculato do capitão.

Bolsonaro transformou o Palácio do Planalto em uma espécie de “Família Vende Tudo”, mandando para os Estados Unidos caríssimos Rolex, joias e tudo o que reluzia a dourado, presentes de governos estrangeiros ao Estado brasileiro, para serem vendidos. Entre o contrabando, a receptação e a lavagem de dinheiro, envolveu almirante, general, coronel, tenente-coronel, sargentos.

Mas o crucifixo de Lula, esculpido em madeira, ao contrário do que dizem as redes bolsonaristas, não foi vendido por milhões a um magnata no exterior.

Dado de presente por José Alberto de Camargo, seu amigo pessoal, em 2003, ele foi abençoado por frei Betto e mantido no gabinete de Lula durante o primeiro e o segundo mandatos presidenciais. Quando saiu, levou consigo a peça porque não pertencia à República e deixou guardada junto com seu acervo.

Acreditando em fakes que circulavam na internet, os procuradores da operação Lava Jato sonhavam em prender o petista por surrupiar e ocultar um Jesus Cristo crucificado e bombar as imagens na imprensa, como foi revelado pelo Intercept Brasil.

A reportagem fez parte da série da Vaza Jato, que mostrou como o então juiz federal Sergio Moro e membros do MPF tramaram e combinaram a condenação contra Lula para tirá-lo da política.

Em uma troca de mensagens no Telegram com o procurador Orlando Martello Jr, Deltan Dallagnol afirmou que acharam no cofre do Banco do Brasil (onde Lula mantinha seu acervo pessoal), “a cruz do Aleijadinho que estava desde Itamar no Planalto”. Disse que aquilo era prova de “peculato com lavagem”.

Para demonstrar sua imparcialidade, ele ainda postou ao seu interlocutor: “Isso, pode sorrir. Agora, pode sorrir mais. Pode agora começar a pular”.

Mas os procuradores não haviam se dado ao trabalho de checar se a informação que circulava na internet procedia ou não. Ou seja, não deram nem um Google.

E em meio às comemorações, descobriram uma reportagem da revista Época desmentindo a fake, mostrando que o crucifixo pertencia a Lula. E que a foto em que Itamar Franco aparece com ela no Palácio do Planalto foi tirada durante uma visita que ele havia feito a Lula em 2006.

E, claro, a obra não era de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, um dos mais importantes escultores do Brasil colonial, que viveu entre os séculos 18 e 19, mas de um artista europeu do século 16.

Diante disso, Dallagnol foi o retrato da tristeza. Para o mesmo interlocutor, Martello, ele soltou até um palavrão: “Cara, agora sente. Descobrimos que o crucifixo é dele mesmo. Recebeu de presente. Pqp. Matérias furadas na internet”. Depois, teve que se explicar ao juiz da operação, Moro, de que o crucifixo pertencia a Lula.

Depois da decepção, trocas de mensagens mostram que os procuradores analisaram a legislação sobre presentes pessoais dados a presidentes. Acabaram convencidos que Lula poderia ter recebido o crucifixo.

E ressaltaram que mesmo o acervo privado não pode ser vendido no exterior e que presentes recebidos de autoridades estrangeiras em visitas oficiais pertencem ao país.

Lula foi investigado extensivamente pela Lava Jato, que não encontrou indícios de que, ao contrário de Bolsonaro, ele cotou e vendeu presentes no exterior. Inclusive a discussão sobre o caso do petista ajudou a criar mais normatizações sobre as zonas cinzentas da questão dos presentes, inclusive com a participação do Tribunal de contas da União. Regras que foram atropeladas por Jair.

Jair Bolsonaro. (Foto: Reprodução)

No Bolsoverso, o universo paralelo das redes bolsonaristas, o crucifixo foi vendido por milhões e está na parede de um colecionador fora do Brasil.

Na realidade, Lula trouxe a peça de volta consigo ao vencer um terceiro mandato. Hoje, o crucifixo está na parede de seu gabinete, no Palácio do Planalto. Pode-se discutir se isso vai ou não ao encontro de princípios de um Estado laico. Mas nunca será possível afirmar que a peça foi recomprada às pressas para evitar escândalo ainda maior, como fez Frederick Wassef, advogado de Bolsonaro, com um Rolex surrupiado por Jair e vendido a um ricaço nos EUA.

Originalmente publicado por Uol

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