Publicado na Rede Brasil Atual
Por Eduardo Maretti
O desfile militar que Jair Bolsonaro promete para esta terça (10) – quando provavelmente a Câmara decidirá sobre o chamado “voto impresso” – é classificado no meio político como provocação, ameaça à democracia, possível tentativa de golpe e até sinal de fraqueza. Mas, para o ex-deputado federal e ex-presidente da OAB do Rio de Janeiro Wadih Damous, e o cientista político Roberto Amaral, ex-presidente do PSB, ao menos o risco de golpe está afastado. Isso porque, na avaliação de ambos, o presidente não reúne em torno de si as condições mínimas para concretizar seu projeto ditatorial.
“Não existe golpe só porque alguém acordou de mau humor e resolve dar um golpe. Golpe é articulação, um processo. Tem consenso, apoio de segmentos importantes da sociedade, da grande imprensa, dos Estados Unidos. Eles não têm nada disso”, diz Damous. “Bolsonaro conseguiu transformar o Brasil numa república de banana mesmo”, acrescenta.
Para Roberto Amaral, “não é para ignorar” o desfile militar previsto, mas ele não vê golpe iminente. “Em golpes sempre há uma preparação, como em 1964 e 2016. E no momento há reação muito forte da sociedade. Não é mais só a resistência minoritária da esquerda. É da sociedade, e da sociedade que pesa: a Casa Grande. A Faria Lima já deu todos sinais de que não admite mudanças nas regras do jogo, e a Faria Lima é decisiva nesse imbróglio”, afirma, referindo-se a um dos grandes centros do mercado financeiro do país. “As Forças Armadas não dão golpe com a opinião pública contra”, completa.
Bolsonaro reage porque está acuado
Bolsonaro enfrenta dificuldades crescentes perante o Judiciário, cujas reações não são apenas retóricas . No final da tarde desta segunda-feira (9), o TSE enviou ao STF nova notícia-crime contra ele. A acusação é de divulgar nas redes sociais informações sigilosas de inquérito da Polícia Federal sobre um suposto ataque hacker sofrido pelo tribunal em 2018 – e que em nada interferiu no resultado final das eleições daquele ano. Na semana passada, TSE e STF reagiram às agressões de Bolsonaro. Em duro pronunciamento, o presidente do Supremo, Luiz Fux, cancelou uma reunião entre os três Poderes. Por sua vez, o ministro Alexandre de Moraes incluiu o presidente no inquérito das fake news. Além de tudo isso, banqueiros e empresários, representantes de parte importante do PIB brasileiro, reagiram contra o que chamaram de “aventuras autoritárias” do presidente.
Para Damous, as reações do TSE e do STF “foram uma resposta adequada, mas parece não terem enquadrado Bolsonaro, que continuou falando as mesmas asneiras. Quer botar tanque para desfilar, já ameaçou o ministro Alexandre de Moraes e xingou Barroso”. Na opinião do advogado, as investigações e inquéritos têm de ir até o fim. “Está tudo aí: todas as provas de crimes, todos os tipos penais, crimes de responsabilidade, contra a Lei de Segurança Nacional, crime comum… Crime para dar e vender. Pelo Direito tem como ir até o fim, mas essa é uma decisão política”, lembra.
Ainda sobre a presença de tanques de guerra nas ruas de Brasília nesta terça-feira, Damous defende que Ministério Público precisa abrir investigação para apurar a motivação do tal desfile e o quanto vai se gastar de dinheiro público na empreitada.
“Forças Armadas são golpistas”
A intenção do chefe de governo colocar as forças militares nas ruas é injustificável, mas tem um caráter didático, na opinião de Amaral. “Para tirar ilusões de que Bolsonaro está isolado. As Forças Armadas brasileiras são assim, golpistas e interessadas em manter privilégios. Não têm sintonia com o país.” Ex-ministro de Ciência e Tecnologia de Lula, o analista vê as Forças Armadas coesas, mas não em torno do chefe do governo. “Bolsonaro é uma contingência, um instrumento do qual elas se valeram para a retomada do governo. Ele é descartável, mas no momento é um ímã, um ponto de inflexão.”
Damous concorda com as previsões de que Bolsonaro será derrotado na votação na Câmara sobre o chamado voto impresso, até com facilidade. “Não acredito que alguém minimamente experiente vai se deixar intimidar. Que alguém que esteja pensando em votar contra o voto impresso vai deixar de votar porque ele botou tanque na rua.”
“Demonstração de fraqueza”
Nas redes sociais, parlamentares reagiram à demonstração de força pretendida por Bolsonaro. O vice-presidente da CPI da Covid, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), escreveu: “Alguns avisos ao Sr. inquilino do Palácio do Planalto:
1) Colocar tanques na rua não é demonstração de força, e sim de COVARDIA;
2) Os tanques não são seus, pertencem à Nação;
3) Quer tentar golpe Sr. @jairbolsonaro? É o crime que falta para lhe colocarmos na cadeia”.
O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), avisou: “Não quero crer que isso seja uma tentativa de intimidação da Câmara dos Deputados mas, se for, aprenderão a lição de que um Parlamento independente e ciente das suas responsabilidades constitucionais é mais forte que tanques nas ruas”.
Para o senador Rogério Carvalho (PT-SE), o anúncio do “desfile de tanques” foi uma informação “gravíssima”. “Clara provocação e ameaça contra a Democracia. Respeitem o Brasil, respeitem as 563 mil famílias enlutadas.”, escreveu em seu perfil no Twitter.