POR LEJEUNE MIRHAN, sociólogo, professor universitário (aposentado) de Sociologia e Ciência Política, escritor e autor de 17 livros (duas reedições ampliadas). É também pesquisador e ensaísta. Atualmente exerce a função de analista internacional, sendo comentarista da TV dos Trabalhadores, da TV 247, da TV DCM, do Iaras e Pagus, entre outros canais, todos por streaming no YouTube. Publica artigos e ensaios nos portais Vermelho, Grabois, Brasil 247, DCM, Outro lado da notícia, Vozes Livres, Oriente Mídia e Vai Ali
Não posso deixar de manifestar o meu repúdio e asco de que uma deputada nazista alemã tenha sido recebida em palácio, por este que se apresenta como nosso presidente. Uma vergonha para nós no mundo inteiro.
LEIA – Fim completo da privacidade: mundo vive escândalo da espionagem. Por Lejeune Mirhan
A deputada Beatrix von Storch, membro do partido Alternativa para a Alemanha – cuja sigla é AfD esteve em visita ao Brasil a convite da deputada Bia Kicis, também ela uma neonazista. A deputada alemã é neta de Lutz Graf Schwerin von Krosigk, que foi o único ministro nazista que ficou com Hitler os 12 anos de poder (1933-1945).
Não é pelo fato dela ser neta de um avô nazista. No entanto, seus pais também são nazistas. Marine Le Pen na França, é filha do velho Jean Marie Le Pen, fundador do Front National (Frente Nacional) que é um partido fascista.
Vejamos a força desse partido na Alemanha: no parlamento federal, chamado de Bundestag, ele possui, hoje, 88 cadeiras de um total de 700 (ou seja 12,5%). Hoje no Brasil nenhum partido no Congresso Nacional tem esta porcentagem de cadeiras. Esse percentual aqui na Câmara dos Deputados equivaleria a ter 64 deputados, entre 513. O maior partido no Parlamento brasileiro hoje elegeu 10%, ou seja 54 deputados, que é o PT. O segundo foi o PSL com 52; o terceiro foi o PP de Ciro Nogueira com 38 vagas e o quarto foi o PSD do Kassab, com 35.
No Parlamento Europeu, a Alemanha tem 96 vagas e eles têm 11 eurodeputados (11,4%). Nos parlamentos regionais, equivalente às nossas assembleias legislativas estaduais, que têm 1868 cadeiras no total, eles elegeram 243. Não há uma região na Alemanha onde eles não tenham, pelo menos um deputado. Isto equivale a 13%.
Nós usamos o termo “fascista” para nos referirmos ao governo de Jair Bolsonaro. Mas, ele é mesmo um governo nazista ou neonazista. O termo fascista, talvez seja de maior compreensão, é o mesmo que dizer, de extrema-direita. O Nazismo é algo muito particular da Alemanha e que está banido lá. Mas, esse partido está crescendo. Na imprensa alemã eles usam o termo: neonazista. O partido não usa o símbolo da suástica, pois nem poderiam.
Esse partido Alternativa para a Alemanha, é o único monitorado 24 horas por dia, oficialmente, pelos órgãos de inteligência e policiais da Alemanha. Em todas as reuniões deles os agentes comparecem e não podem ser proibidos de assistir, gravar, porque o nazismo é proibido no país. A Ângela Merkel pode ser uma mulher de direita, mas é antinazista e antifascista.
Bolsonaro, de extrema-direita, é claramente nazista. Tem comprovações e documentos que ele produziu, durante seus 28 anos no Congresso. Ele tomou posse em janeiro de 1991, até dezembro de 2018 quando se elegeu presidente. Seus documentos eram publicados em sites nazistas no Brasil (1).
A pesquisadoras da Unicamp, Adriana Abreu Magalhães Dias, é provavelmente a maior estudiosa sobre o Nazismo no Brasil. Ela afirma que existem mais de 300 mil simpatizantes do neonazismo em nosso país na atualidade. Eles cresceram exponencialmente desde o crescimento da candidatura de Bolsonaro já em 2018. Portanto, nos últimos três anos cresceu muito.
Observando o ódio é o título da tese de doutorado da professora e pesquisadora da Unicamp. Essa tese marca os 15 anos de suas pesquisas de antropóloga. Ela analisou sites, blogs, fóruns e comunidades neonazistas na Internet e em outros tipos de documentos não digitais.
Para que se tenha uma ideia da real dimensão desse movimento neonazista no Brasil, a pesquisadora informa que o grupo Criatividade – o maior que ela identificou como neonazista no mundo – conta hoje com mais de dez milhões de membros no hemisfério Norte. Ele é apontado por estudiosos da área como responsável pelo grande avanço do neonazismo nos Estados Unidos. Avalia-se que tenha hoje por lá algo que varia de 500 mil a cerca de três milhões de adeptos.
Adriana diz que no Brasil, provavelmente os simpatizantes do nazismo cheguem à casa de mais de 300 mil. “Eu tenho medo de que o grupo Criatividade chegue ao país, por ser um movimento de cunho religioso, que não prega sobre ‘minha raça’ e sim sobre a ‘minha fé’, o que atrai muita gente. O fato é que nesse longo período de pesquisa vi uma explosão do movimento de extrema direita, bem como a situação se agravar e se radicalizar” (2).
É preciso deixar claro que Bolsonaro é antissemita e antijudeu, mas foi apoiado por grande parte da comunidade judaica no Brasil. A Hebraica do Rio de Janeiro o recebeu em campanha naquele momento em que ele fez a abjeta declaração do peso dos quilombolas e foi aplaudido pelos judeus cariocas. Acho que essa comunidade, ao menos em parte, já se arrependeu do apoio (3).
Se a deputada Bia Kicis, que trouxe a parlamentar alemã quisesse receber a deputada alemã, representando o Parlamento, ela até poderia estar no seu direito. Mas, o presidente, não poderia receber. O Nazismo é proibido no Brasil.
Quando Biden ganhou a eleição nos Estados Unidos no ano passado, eu publiquei uma postagem na minha página no Facebook. Eu dizia que Biden, antes mesmo de tomar posse em 20 de janeiro de 2021, teria que convocar, se corajoso fosse, uma reunião dos três grandes, chamando Xi Jinping da República Popular da China e Vladimir Putin da Federação Russa. Uma reunião tal qual ocorreu em 28 de novembro de 1943, a primeira de três reuniões que eles fariam, quando se reuniram EUA, Rússia e Inglaterra (4).
Eu propus um encontro como do de 1943 nas minhas redes sociais. Houve alguns comentários favoráveis e alguns contrários achando que eu estaria delirando e que isso nunca aconteceria. Mas, é precisa que ele aconteça, mais dia menos dia.
Eu acrescentei ainda que Biden deveria convidar não apenas Xi e Putin, mas também o presidente da República Islâmica do Irã, Hassan Rohani e o presidente da República Árabe da Síria, dr. Bashar Al-Assad, que é o maior líder árabe hoje do mundo, como se fosse um novo Gamal Abdel Nasser. Mas, o Biden não fará isso. Talvez não tenha a compreensão que Roosevelt e Churchil tiveram.
É por isso que Putin nos alertou quando ele fez seu discurso na reunião de Janeiro em Davos: “lembremos de 1933”. O que ele quis dizer com isso? Foi quando Hitler ganhou as eleições com 18 milhões de votos e os comunistas e social-democratas somados tiveram apenas 11 milhões de votos. E eu digo assim: “lembremos de 1943”, da primeira reunião dos grandes. Não precisamos chegar a um grande conflito mundial para concluirmos que temos que fazer uma ampla frente antifascista e antinazista no mundo (5).
A maior e mais prestigiosa entidade mundial de judeus, cuja sigla é ADL (Liga de Anti-Difamação, na sigla inglesa Anti-difamation League), que ficam monitorando jornais e noticiários para saber como está o antissemitismo no mundo, também emitiu nota dura contra esse fatídico encontro. Eu tenho minhas reservas contra essa entidade, mas foi muito importante o seu posicionamento. Foi uma nota muito dura de protesto (6).
Várias entidades judaicas no Brasil, entre elas o Observatório Judaico de Direitos Humanos, A Confederação Israelita do Brasil – CONIB; o Instituto Brasil Israel – IBI; o grupo Judeus pela Democracia entre quase uma dezena de outros grupos judaicos emitiram notas duras de protesto contra este triste episódio da história que o Brasil presenciou esta semana, quando o presidente da República Federativa do Brasil recebe no Planalto uma deputada nazista (7).
Mais recentemente, a própria pesquisadora da Unicamp, Drª Adriana Dias, ainda que ao acaso, deparou-se com um site em 2006, que publicava notícias sobre o desempenho parlamentar de Jari Bolsonaro e que este lhe enviava cartas de relações fraternas (8)
O pior em tudo isso é que, pelas notícias que pude ler após o fatídico encontro, ao que tudo indica, nem o partido neonazista da Alemanha, quer a qualquer aproximação com o neonazista que nos (des)governa. É o que diz matéria publicada pelo jornal Estadão nesta quarta-feira, dia 28 de julho de 2021, temendo um desgaste nas próximas eleições alemãs (9).
Devemos parar de adjetivar esse governo como fascista. Devemos tratá-lo pelo que ele é de fato, pela ideologia que ele abraça e cultiva há décadas. Bolsonaro dissimula o tempo todo. Mas, jamais poderá negar de forma categórica a sua admiração pelo nazismo de Hitler. Por isso, entre tantos outros fatores, devemos intensificar cada dia mais a campanha Fora Bolsonaro, reunindo a mais ampla frente de todas as correntes políticas, entidades, partidos, instituições que se unifiquem com apenas um ponto programático. Fora Bolsonaro!
Notas
- Veja esta reportagem no The Intercept Brasil no endereço: <https://bit.ly/3rMYsMf>;
- Leiam maiores informações no site da Unicamp neste endereço: <https://bit.ly/3ieHinE>;
- Veja aqui as suas abjetas declarações: <https://bit.ly/3BVGRGL>;
- Se quiser saber mais dessa conferência histórica, acesse este link: <https://bit.ly/3q848Pl>;
- Caso queira assistir ao discurso integral com 47 minutos, com tradução simultânea para o espanhol, clique aqui: <https://bit.ly/3icYt9f>;
- Veja aqui a reportagem sobre essa nota da ADL: <https://bit.ly/3xiAycx>;
- Veja a reportagem e a lista de entidades neste site: <https://bit.ly/3fdaGbQ>;
- Veja está notícia neste link: <https://bit.ly/3yg9vQG>;
- Veja a reportagem citada neste link: <https://bit.ly/3ld8tRD>.