POR GISELE MIRABAI, escritora e roteirista de cinema e tevê, pós-graduada em Literatura pela UFF
Estamos com um problema sério de comunicação. Se um extraterrestre chegasse ao planeta e traduzisse cada país apenas pela fala de seu líder, estaríamos perdidos (ou achados, se ele quisesse nos resgatar). Se ele fuçasse os comentários do presidente nas redes sociais, mais especificamente o que ele proferiu com relação à primeira dama francesa, mereceríamos ser dizimados enquanto nação (estamos considerando o etê de um planeta com o mínimo de dignidade). Agora Bolsonaro apagou o comentário, mas não importa. Nós guardamos e o mundo também.
Em seu vídeo, o presidente da França Emmanuel Macron disse que o comentário de Bolsonaro sobre Brigitte Macron, zombando da primeira dama por ser mais velha do que ele, foi “triste” para os brasileiros, uma “vergonha” para as brasileiras e “extremamente desrespeitoso”. Ele usou as palavras certas, ao contrário do nosso presidente. Os problemas graves no “Não humilha cara. Kkkkkkk” marcam um ponto sem volta na vergonha internacional que sentimos pela linguagem daquele que nos representa.
A primeira questão é sobre a banalização da agressividade. Um líder de Estado fazer uma piadinha que faria com o amigo do bar, provavelmente tomando cuidado para a mulher da mesa ao lado não ouvir, é colocado assim em rede social de forma irresponsável e sem medir consequências. Se fosse no boteco, ele teria sim esse cuidado para uma mulher não ouvir porque é ofensivo e ele sabe que ofende. Quando um homem compara duas mulheres com o intuito de rebaixar uma delas, ele as coloca em um lugar de objeto, de algo adquirível, um produto na prateleira a ser escolhido e que deve ser avaliado. Mais uma vez ele desumaniza a mulher e a põe em seu antigo papel de pertence social, em um contexto velho e sexista que não serve mais. Quando esse homem é o presidente da república e faz isso em rede para milhões de pessoas no mundo lerem, é a prova de que chegamos no ponto mais baixo de uma comunicação diplomática entre as nações deste planeta, motivo de enrubescer as bochechas verdes de um alienígena, junto, é claro, com as dos brasileiros.
As piadas agressivas tomam contam dos comentários de todas as redes sociais. Robôs digitais compartilham esse papel com anônimos sedentos por atenção ou por destilar o ódio que reprimem em suas vidas reais. Mas no momento em que um líder, o guia da nossa nave, emite sua opinião danosa no comentário de um seguidor e, o pior, justifica-se em rede nacional negando sua real intenção, estamos em apuros (ops, acho que já estávamos antes) porque banaliza-se a infâmia de suas palavras em um contexto diplomático. Daqui, para onde vamos na comunicação de nossas relações internacionais?
Da primeira dama à nossa irmã, toda mulher merece respeito. Ofender em público Brigitte Macron apenas por ela ser sexagenária, o que deveria ser o símbolo máximo de respeito em qualquer sociedade, é coisa de criança mal educada, que ainda não aprendeu o mínimo sobre viver em sociedade de forma amorosa e empática. Uma criança que coloca sua personalidade acima de tudo e de todos e que, de um jeito irresponsável, pilota o carrinho de rolimã ladeira abaixo por entre as árvores, sem se preocupar com quem vai atropelar pelo caminho. Lembrando, no caso, que esse carrinho de rolimã é um país, essas pessoas são cidadãos, as árvores estão queimadas e a ladeira abaixo, infelizmente, nós já sabemos onde vai dar.
Humilhar significa rebaixar. Antigamente, líderes enviavam ofícios para líderes de outros países, que demoravam dias para chegar em navios. Havia tempo e preparo para se comunicar. Agora, com seus dedos ansiosos, Bolsonaro segue na trilha de Trump nas redes sociais e se comporta instantaneamente como aquele tio que fala besteira e causa um estrago enorme. Falar é fácil. Esquecer, difícil.
Bolsonaro já apagou seu comentário. Mas o estrago com a França fica.
Enquanto isso, no dia a dia, seguimos tentando manter uma linguagem decente, ao menos entre nós. Continuamos a dizer por favor, por gentileza, obrigado e, se for o caso, me desculpe. E este é o caso, então, #DesculpaBrigitte