Publicado originalmente no blog do autor
Por Fernando Brito
Os dois nomes que polarizam a política brasileira têm sentimentos absolutamente opostos, hoje.
Jair Bolsonaro vive – e isso é nítido mesmo em seu comportamento destrambelhado – um estado de tensão que mal é disfarçado. Não sabe o que propor como caminho para o país e vê seu personalíssimo exército (o dos minions e o de verde-oliva) minguarem a olhos vistos.
Inviabilizou-se: quem não consegue adquirir liderança popular sólida depois de seis meses distribuindo mais dinheiro que a maioria do povo brasileiro tinha até o início do ano não será nunca capaz de ser sequer o “líder populista” que acusava ser Lula à custa do Bolsa-Família,
Bolsonaro fracassou na crise, que é tudo o que não pode acontecer com quem pretender comandar. Perdeu seu “padrinho” Trump e perdeu, ele próprio, por não produzir vitórias eleitorais mesmo com a “botina” (sim, para ele não era um direito dos pobres, mas um favor) de R$ 600 por mês, por seis meses pré-eleitorais.
Já seu antípoda, o ex-presidente Lula, posso apostar, está rejuvenescido.
O que ele mais desejava – mais que vitórias do PT, pelas quais ele torce – aconteceu: apareceu uma nova liderança no campo popular.
Posso entender pouco de política, não ser uma raposa que recolhe informações e intrigas nos corredores acarpetados, mas há algo que conheço, pelos 20 anos de convívio diário com Leonel Brizola: a angustiada solidão de um líder em sua velhice, ao ver-se sucedido por uma camada medíocre e politiqueira ou, quando não assim, sem carisma.
Não, não quero dizer que Lula seja “boulista” ou não tenha muitas críticas ao comportamento do PSOL, carregado de pensamentos de classe média como é, mas que ele se compraz de ver alguém encarnar o sentimento de mudança que ele próprio encarnou e encarna por décadas.
Lula vê Boulos com olhos mais esperançosos do que Brizola via a ele, Lula, pelo qual tinha sentimentos só aparentemente contraditórios.
Sim, considerava-se mais preparado que o então jovem ex-metalúrgico, com o qual encrencava na superfície, mas jamais em sua essência. Lembro de um dia, num carro, em que ele e seu velho amigo Cibilis Viana discutiam algo que consideravam um erro de Lula e Brizola voltou-se do banco da frente, no qual sempre anda, e terminou a conversa com uma observação reveladora: – Mas, Cibilis, quanta besteira muito maior a gente fazia quando tinha 40 anos…
Seja qual for o resultado da eleição paulista, no domingo, Lula sai dela como um vencedor. Não é candidato, não é o pilar de uma candidatura, como foi com Erundina, Marta ou Haddad, quando este se elegeu prefeito – embora em todas elas tenha sido decisivo para o resultado – mas vê repetir-se com alguém muito diferente do que ele, Lula, era em suas origens, um processo que eu chamaria de “radicalização esperançosa”, que nenhum dos três trazia, sem nenhum demérito para suas virtudes.
É vê isso empolgar a população, ainda que possam restar dúvidas de se será o suficiente, e seria se este segundo turno tivesse mais uma semana e uma campanha onde a rua pudesse se encher.
Por estranho que pareça, dada a sua situação judicial e seu impedimento político, Lula é hoje um homem com mais sonhos do que medos.
Quer a solução de seus problemas jurídicos por seu senso de justiçae menos que por desejos eleitorais. Creiam que fala a verdade quando diz que preferia estar em palanques que em candidaturas. Só será candidato se sentir que precisa ser, como forma de simbolizar a recusa popular com os rumos que o país tomou e isso hoje é até provável.|Mas se fosse uma obsessão, nada mais prejudicial a ele que a vitória ou, ao menos, a projeção de Guilherme Boulos, que seria um candidato expressivo nacionalmente, depois dos feitos já conseguidos em São Paulo.
Há, porém, em Lula um sentimento de urgência que só os tolos confundem com ambições eleitorais, que são as de Bolsonaro.
Ele quer ser referência e quer, ao mesmo tempo, ser a ponte da continuidade do processo político-social do Brasil que veio no pós-ditadura, da superação de um regime que, de alguma forma, voltou a cair sobre nós, com menos intensidade politica mas com tanto ou mais intensidade social.
Boulos parece ser responsável e lúcido para perceber que Lula é sua ponte para ser o que ainda não é, mas pode e quer ser, porque este é o carisma de sua vida: o candidato do povão, dos excluídos, dos postos à margem desta marcha insensata na qual o Brasil só será um dos maiores países do mundo se a medida for a injustiça, a exclusão das maiorias, a negação de que temos um papel de liderança que, tristemente, assiste sermos postos como párias.
O que ele fez – e o que talvez venha a fazer – foi hercúleo e nada satisfaz a um grande homem quanto ver outro também aprender a ser.