PUBLICADO ORIGINALMENTE NO FACEBOOK DO AUTOR
Por curiosidade, e como essa era uma lacuna na biografia do candidato favorito à Presidência, Jair Bolsonaro, decidi fuçar os arquivos disponíveis na internet do falecido Jornal do Brasil (JB) para entender o que foi o mandato dele como vereador do Rio de Janeiro, eleito em 1988 e no cargo até o fim de 1990, quando se tornou deputado federal.
Fui de 1986 a 1991 e, logo no início, foi engraçado perceber que o JB não tinha pudor em apresentá-lo como o “capitão das bombas” ou o “oficial que planejou explodir bombas no Rio de Janeiro”, sem condicionais ou a palavra “acusado”. Contei essa história aqui no Facebook (https://www.facebook.com/marcosrogeriolopes/posts/10210765760134693), mas resumo: em 1987, Bolsonaro deu uma entrevista à revista Veja na qual detalhava o plano Beco sem Saída, do qual era um dos mentores e que consistia em explodir dinamite em vários pontos da cidade para pressionar o governo federal a dar aumento aos militares. Ele pediu off, a repórter publicou seu nome por se tratar de um ato terrorista e ele quase foi expulso do Exército.
O corporativismo o salvou mesmo com a comprovação de que ele estava mentindo quando afirmou que a entrevista havia sido inventada. Laudos técnicos provaram que eram dele as anotações feitas à repórter — em uma das quais, aliás, ele ensinava a fazer uma bomba.
Após a repercussão do episódio, Bolsonaro definiu seu caminho como político. Em parte como gratidão por uma classe que jogou para baixo do tapete a grave ameaça à cidade, em parte por ser o único assunto que ele realmente conhecia passou a defender pautas militares e assim se elegeu vereador e depois deputado por vários mandatos.
Bolsonaro era um outsider na eleição de 1988, há 30 anos. Meses antes da votação, se filiou ao PDC (E-E-Eymael, um democrata cristão), defendeu na campanha a moralização da Câmara dos Vereadores e o aumento para os destronados remanescentes da ditadura. Em 1986, publicou também em Veja um artigo defendendo melhores salários para os milicos. Na ocasião, por quebrar a hierarquia do Exército, afinal deu sua opinião sem autorização, foi preso por 15 dias.
Foi eleito. Sua principal proposta era reduzir de 18 para 15 o número de assessores que cada vereador tinha direito. Dizia à imprensa achar um absurdo tamanho privilégio, mas não conseguia convencer seus pares a pensar o mesmo. Em 17 de maio de 1989, foi voto vencido na ampliação do benefício. Os políticos decidiram elevar de 18 para 20 o número de pessoas que podiam contratar.
Dias depois, em 23 de maio, deu entrevista dizendo que “60% dos oficiais, suboficiais e sargentes com quem tenho conversado vão votar no Collor pela perspectiva de mudança que ele representa”.
Nas eleições presidenciais daquele ano, votou no primeiro turno em Paulo Maluf, por ser “um grande brasileiro”, segundo Bolsonaro, e em Collor no segundo.
Em 30 de julho, discursou no plenário defendendo o passe livre nos ônibus para os militares. Em 22 de setembro, reclamou ao Jornal do Brasil que a Vila Militar carioca exagerava na rigidez com as patentes mais baixas. “Soldados, cabos e sargentos não são tratados como seres humanos”.
Ao mesmo tempo em que brigava pela categoria, não era engolido pela alta cúpula, que não esquecia a ameaça de terrorismo do ex-paraquedista formado na Academia Militar das Agulhas Negras.
Em 10 de maio de 1990, foi barrado com a família na Praia do Forte do Imbuí, frequentada pelos militares. Ficou revoltado, mas teve de acatar as ordens superiores.
Dias antes, havia dado uma declaração inconsequente que pegou muito mal nas Forças Armadas. Segundo ele, o Hospital do Exército fluminense tratava 100 soldados com Aids. Ninguém tinha esse dado, negado no mesmo dia pelas autoridades. Talvez nem ele na verdade soubesse o que estava dizendo, associando aos praças uma doença então ligada quase que exclusivamente ao público gay. Bolsonaro tinha até uma tese para explicar como eles teriam contraído o vírus: em combate, ao se machucar e entrar em contato com o sangue de outros feridos.
Em novembro de 1990, deu uma declaração curiosa na missa pela morte de um cadete da academia das Agulhas Negras. Após se sentir mal durante um treinamento, Mário Lapoente da Silveira, de 18 anos, em vez de ajuda foi espancado por um superior. Foi levado ao Hospital Estudantil da AMAN e, ao que parece, não recebeu o tratamento mínimo adequado. Bolsonaro, hoje defensor número 1 do uso das armas, aproveitou a comoção para criticar o governo federal naquele episódio, por, segundo ele, “dar prioridade a armamentos em detrimento do material e gente relativos à saúde”.
Em 1990, fez forte oposição à aprovação à nova Lei Orgânica do município, que acabou sendo aprovada aumentando privilégios e dando novos benefícios aos políticos. Ponto positivo, sem dúvida, mas, em 12 de novembro, uma carta publicada no JB por uma de suas companheiras de bancada entregava que o vereador do PDC havia pedido 2.500 cartões de Natal no almoxarifado da casa para entregar a seus eleitores, desmentindo um discurso repetido por ele no fim daquele ano, segundo o qual não aceitava receber os mesmos cartões, um “gasto absurdo” do qual ‘abria mão”.
Candidatou-se a deputado federal com uma única proposta concreta: faria o possível para facilitar a vasectomia e a laqueadura no serviço público para combater o maior mal do país, o que chamava de descontrole da natalidade. Em 28 anos no Congresso, jamais obteve qualquer avanço nesse tema.
Um perfil do jornal de outubro de 1990 o definiu como um capitão indisciplinado que afirmava jamais ter lido um romance e trazia uma confissão do capitão da reserva. “Na campanha, ele optou por não levar sua mensagem a outros grupos sociais, mesmo aos soldados e oficiais da PM — por timidez e por reconhecer suas limitações intelectuais. ‘Não conheço os problemas dos advogados’, explica. ‘Não me sentiria bem fazendo proselitismo para eles. E não teria nada de concreto a oferecer’.”
Em 31 de janeiro de 1991, a coluna Informe JB noticiava que “Levantamento da Câmara Municipal do Rio aponta o capitão Jair Bolsonaro (PDC) como o vereador de pior atuação na casa. Bolsonaro, eleito deputado federal, não apresentou nenhum projeto durante todo o ano de 1990”.
No início de seu mandato em Brasília, não mostrou o mínimo pudor em defender privilégios bastante questionáveis a sua categoria. O hoje defensor do fim das regalias do Estado foi decisivo na concessão do pagamento de pensão a filhas solteiras com mais de 21 anos de militares mortos.
Em 4 de setembro de 1991, o JB detalhou como Bolsonaro agiu fortemente nos bastidores para aprovar no Senado o artigo – que, aliás, havia sido vetado na Câmara, mas foi incluído ilegalmente no pacote que, após aprovado, foi enviado para a sanção do presidente Collor. “No fim de semana que antecedeu o exame da matéria, em 13 de agosto, numa terça-feira, ele aproveitou uma eleição da diretoria do Clube de Subtenentes e Sargentos do Exército, em Rocha Miranda, no Rio, e mandou entregar dois mil panfletos para os suboficiais, evocando-os a telefonar a cada senador, pedindo votos para habilitar suas filhas a receberem a pensão.”
No verso dos panfletos estava uma lista com o nome e telefone dos 81 senadores.
Dias depois, em 12 de setembro, Collor enviou ao Congresso projeto de lei pedindo reajustes de até 45% para os militares. Bolsonaro se encarregou de buscar as assinaturas e os apoios necessários dos parlamentares. Mais um gasto público aprovado.
Ele queria mais. O Jornal do Brasil registrou que ele costumava se encontrar com representantes de várias patentes para convencê-los a entrar na Justiça contra o governo federal pedindo reparação de 84% nos soldos por perdas com o Plano Collor.
No mês seguinte, ele se envolveu com uma briga com o ministro do Exército, Carlos Tinoco, que proibiu sua entrada nos quarteis por considerá-lo uma má influência aos soldados. Segundo a alta cúpula das Forças Armadas, Bolsonaro se aproveitava da bandeira militar para se eleger, mas havia mostrado em vários momentos de sua história o desrespeito à hierarquia.
Em uma de suas inúmeras bravatas, Bolsonaro afirmou que, em retaliação, não deixaria o ministro pisar no Congresso Nacional. “Mesmo que seja no braço”, disse e, claro, não cumpriu. No fim daquele ano, Tinoco foi à Câmara dos Deputados mais uma vez para reclamar aos parlamentares da falta de reconhecimento à categoria e ouviu do deputado uma pergunta bastante cordeira sobre se acreditava no apoio de Collor às reivindicações dos militares.