Bolsonaro condecora militares israelenses e esquece dos brasileiros, que rastejaram na lama. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 1 de abril de 2019 às 8:25
Israelenses ficaram pouco tempo em Brumadinho

Jair Bolsonaro escolheu o Dia da Mentira para condecorar com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul os militares de Israel que estiveram no Brasil para ajudar no resgate às vítimas de Brumadinho.

Os brasileiros e, especialmente, os moradores de Brumadinho são, por certo, gratos por toda ajuda que tenha se prestado naquela hora de dor e desespero.

Mas a pergunta que não quer calar é: exatamente, o que os militares de Israel fizeram em Brumadinho?

Com certeza, não fizeram nenhum resgate, e um dos militares estrangeiros teve de ser resgatado por bombeiros brasileiros porque estava se afundando na lama.

Para contrariedade das autoridades de Iarael, o comandante das operações em Brumadinho, Eduardo Ângelo, explicou por que a ajuda dos israelenses não foi efetiva.

Os equipamentos que trouxeram — uma espécie de scanner — eram úteis para detectar corpos quentes, mas sem valor algum para  localizar cadáveres, que são frios.

Talvez seja por isso que os militares israelenses tenham permanecido no Brasil por muito pouco tempo.

Tempo, no entanto, suficiente para fotos e a divulgação de notícias em todo o mundo.

Com esse gesto de ajuda humanitária, o governo de Israel teve de mídia espontânea um espaço de valor incalculável.

Como lembrou a jornalista brasileira de origem palestina Soraya Misleh, em artigo na revista Carta Capital, esse tipo de ação atende muito mais a um projeto de relações públicas do que de efetiva ajuda.

É conhecida como Aid Washing (Lavagem de ajuda), que serve para melhorar a imagem de quem se presta a ajudar.

Segundo ela, Israel já usou esse recurso no México, quando houve um terremoto, embora, naquele caso, se justificasse, já que havia sobreviventes sob os escombros.

A África do Sul, durante o regime de Apartheid, também se empenhou para realizar o primeiro transplante do coração do mundo, uma operação de guerra, uma corrida contra o tempo, porque queria tirar o foco internacional do regime de segregação racial.

É legítimo que Israel ofereça ajuda em um hora de dificuldade de um país com o qual mantém laços de amizade, mas, nessa história, há uma tremenda injustiça. Não por parte de Israel, mas do governo Bolsonaro.

Quem deveria ter tido a primazia das homenagens são os bombeiros e voluntários brasileiros que trabalharam (e ainda trabalham) em Brumadinho.

Um serviço tão valoroso que foi reconhecido fora do Brasil. Enquanto Bolsonaro condecora os israelenses, os bombeiros mineiros que atuaram na tragédia estão de novo mergulhados em lama e água, no trabalho de ajuda humanitária em Moçambique, alvo de um ciclone de grande poder devastador.

Como se vivesse numa realidade paralela, em que o Dia da Mentira é simbólico, Bolsonaro dourou a pílula ao condecorar os israelenses. Comparou a ajuda deles ao trabalho que prestou em 1985, quando estava no Exército e foi chamado para trabalhar em uma operação de resgate em um acidente com ônibus que caiu no rio (quinze pessoas morreram).

“O trabalho de vocês (militares israelenses) foi muito semelhante ao meu, humildemente prestado por mim no passado: confortar os familiares, ao encontrar um ente que estava ali”, disse.

“O trabalho dos senhores foi excepcional, fez com que nossos laços de amizade, de há muito, se fortalecessem. Nós, brasileiros, nunca esqueceremos o apoio humanitário por parte de todos vocês.”

Bolsonaro passou para a reserva do Exército com 33 anos de idade, quando começou a receber proventos equivalentes aos de aposentadoria.

Entrou na política e, mais tarde, ajudou a eleger três filhos, todos hoje em situação patrimonial muito confortável.