Como nos filmes de gângster, o dia do duelo entre Bolsonaro e Moro chegou. É uma disputa de poder entre dois expoentes do movimento que violentou a Constituição ao afastar, sem crime de responsabilidade, Dilma Rousseff. Como disse o sociólogo Jessé Souza em seu “A Radiografia do Golpe”, assaltar o banco — ou tirar Dilma —foi a parte mais fácil do crime. Bastava reunir os ladrões. Difícil, lembrou ele, será dividir o butim — no caso, o poder que nasceu da cassação da ex-presidente.
Moro, com razão, é visto como peça-chave dessa engrenagem. Não houvesse a investigação seletiva da Lava Jato, Dilma não teria caído, e Lula não teria sido condenado, preso e impedido de disputar as eleições em que era favorito. Em consequência, Bolsonaro jamais usaria a faixa presidencial. Portanto, por esse raciocínio, Bolsonaro deve a Moro sua eleição — e deve mesmo, como chegou a reconhecer em novembro do ano passado, em uma cerimônia na Polícia Federal.
“Ele [Moro] não poderia se aproximar de políticos, não poderia ter um partido — como ele não tinha. Ele estava cumprindo sua missão. Se essa missão dele [não] fosse bem cumprida, eu também não estaria aqui”, afirmou Bolsonaro, sob aplauso de Moro e dos demais presentes.
O que Bolsonaro certamente já sabia — mas não explicitou — é que Moro já era próximo de políticos, como Álvaro Dias, Fernando Henrique Cardoso e Aécio Neves, todos poupados na Lava Jato. Bolsonaro se aproximou de Moro na reta final do primeiro turno das eleições presidenciais, quando, já favorito, despachou Paulo Guedes para dizer ao então juiz que pensava levá-lo para o governo, em caso de vitória.
Na véspera do primeiro turno, Moro liberou para a imprensa um dos anexos da delação de Antônio Palocci, delação sem prova, mas com adjetivos sob medida para gerar manchetes na Globo, outra parte ativa no movimento que levou Bolsonaro ao poder. Alguém poderá dizer que alguns preferiam outro nome que não Bolsonaro. É fato, mas, diante da realidade que se colocava, no lugar do candidato de Lula (Fernando Haddad) a direita tinha apenas Bolsonaro como alternativa viável. E o fascismo, como lembrou Jessé em entrevista ao DCM, é sempre o plano B da direita.
Moro entrou no governo com a convicção de que, sendo estrela da Lava Jato, era intocável. Não fosse assim, não trocaria 22 anos de magistratura por uma aventura. Durante a campanha, sua família foi apoiadora entusiasmada de Bolsonaro. A filha publicou banners e Rosângela, no dia da eleição, postou a imagem no Cristo Redentor apontando para o número 17.
Visto como potencial candidato a presidente em 2022 por parte do grupo que ajudou Bolsonaro a se eleger, Moro nunca esteve muito à vontade no Ministério da Justiça, embora tenha dado demonstração de que, como político, é um animal invertebrado, que dobra a coluna sem grandes dificuldades.
Atuou como capanga da milícia mais de uma vez. Na mais notória delas, mobilizou a Procuradoria da República e a Polícia Federal para enquadrar o porteiro que havia dito em depoimento à Polícia Civil do Rio de Janeiro que Bolsonaro havia autorizado a entrada de um dos assassinos de Marielle no condomínio Vivendas da Barra.
Com base na Lei de Segurança Nacional, tentou constranger Lula, por críticas a Bolsonaro, e um grupo punk que fez cartazes que Moro considerou ofensivos ao presidente.
O ex-juiz procurou agradar Bolsonaro de diferentes maneiras, além de influenciar instituições da república em seu favor. Mas, para Bolsonaro, foi pouco. A velha imprensa atribui a queda do delegado Maurício Valeixo às investigações da PF que poderiam envolver os três filhos do presidente.
Pode ser.
Mas, no fundo, Bolsonaro quer se livrar de Moro, mas não tem força para demiti-lo. Segundo registrou Thaís Oyama em seu “Tormenta”, o livro que faz o balanço do primeiro ano do atual governo, o general Heleno o avisou de que, se demitir Moro, seu governo acaba. Ele não deve demitir, mas vai infernizar, como fez com Luiz Henrique Mandetta, até que Moro caia.
Sabe que, mais tarde, o ex-juiz, ambicioso que é, vai querer ocupar a cadeira de presidente. O que Bolsonaro certamente não imagina é que talvez ele já não esteja sentado nela quando Moro for apresentado como candidato da direita.
Esse governo é hoje um condomínio golpista sem síndico que fará o Brasil sofrer até que a democracia seja plenamente restabelecida. Na dúvida, deve se deixar sempre o povo decidir, mas, para o povo decidir, não se deve tirar da urna o nome favorito. Aí é golpe contra a soberania popular.